sábado, 19 de dezembro de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Pessoas de carácter e com ética

Não resisti a tentação de dar a conhecer a crónica de Fernando da Costa, com o título abaixo transcrito a negrito, pelo exemplo público de pessoas com carácter e de uma só face.
A renovação de Boas-Festas para todos os meus camaradas, amigos e visitantes.

Aqui fica o texto

Seres decentes - Crónica de Fernando Dacosta.
2 Tempo Livre/OUT 2008

Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si.
Otexto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber. Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.
O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor. Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros. Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados. As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social. Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!» O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos. “A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”.
Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.
“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”.
O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que
por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos)
ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.
Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar- -nos, a acreditar-nos - condição imprescindível
ao futuro dos que persistem em ser decentes.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Entre amigos


A vida é o momento. Não sei quem foi que escreveu, se escreveu e se escreveu assim… Não vou procurar e prefiro que seja assim. Tenho para mim que a autoria é portuguesa e o seu autor é Guerra Junqueiro. Devia andar na instrução primária quando li pela primeira vez um poema seu e gostei. Os miúdos da minha geração – aqueles com quem partilho momentos da vida – aprendiam a tabuada, os rios de Portugal, as serras e os ramais, as operações de aritmética, a gramática da língua portuguesa com os pronomes, os substantivos, os adjectivos, os verbos e advérbios, as preposições e as orações… Bem, deste modo, estou a ir mais longe – salvo as devidas distâncias - do que o Professor Vitorino Nemésio no programa televisivo Se bem me lembro (anos 1975/76); por sinal, este poeta, escritor e académico, era natural da Terceira, Açores, terra do nosso camarada e amigo Agostinho Maduro.
O almoço de ontem, domingo, foi mais um pretexto para estar entre amigos. Encontramo-nos no Barreiro perto de um Restaurante da casa do Alves. Coube a ele a organização e toda a logística deste encontro. O Alves, o Carlos Ferreira/Almada, Martins, Vitorino, Piriquito, Tony, eu e mais os consortes pela metade ou um pouco mais. É difícil descrever um sentimento, sobretudo quando a emoção se sobrepõe a razão, como foi e é sempre o caso, nos momentos que estou entre amigos. Amigos de verdade, amigos em quem podemos confiar, amigos de uma vida. Quando nos juntamos, conversamos sem tema prévio. Deixamos voar o pensamento ao sabor das palavras de uma amizade presente. Não importa as décadas passadas – uma, duas, três, quatro…- se a alma é grande e o coração sente.
Sei que se aproxima o Natal e, na medida do possível, aproveito para desejar a todos os meus amigos, camaradas e visitantes deste Blogo um Natal Feliz.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Parabéns à Marinha, fuzileiros e demais forças intervenientes.

Costumo ouvir com redobrado interesse as notícias que digam respeito à Marinha e aos fuzileiros. Não há hipótese de ignorara-las. O vírus ficou instalado e não há vacina que lhe valha! Ainda bem porque sinto muito orgulho nisso.
As notícias que tenho ouvido reportam-se a ao combate da pirataria nas águas do Golfo de Aden da bacia de Somália, no âmbito operação “ Ocean Shield” em que a acção e prontidão da fragata Álvares Cabral, comandada por Nobre e Sousa, foi determinante no combate aos piratas marítimos e na identificação dos suspeitos. Conforme relatou a agência Lusa de 19 do corrente mês:

A operação aconteceu enquanto a fragata estava a patrulhar a zona do Golfo de Aden, ao largo da Somália, e recebeu um pedido de socorro de um cargueiro regional (…)
A fragata portuguesa assumiu o comando da operação, coordenando a missão com a aviação de patrulha marítima espanhola (MPA), que foi destacada para verificar no local o pedido de ajuda.
Entretanto, o helicóptero da fragata portuguesa foi encarregue de fazer parar a pequena embarcação dos piratas, enquanto a "Álvares Cabral" interceptava no mar a embarcação para enviar uma equipa a bordo para inspeccionar o seu interior e a respectiva tripulação.
No momento em que a fragata portuguesa se aproximava da embarcação, os tripulantes do helicóptero constataram que os alegados piratas estavam a lançar armas e outros equipamentos para o mar.
"Às 11:17 (hora local), o barco foi abordado pela equipa de fuzileiros portugueses, que inspeccionou a embarcação e identificou cinco suspeitos, tendo também recolhido outras informações. Terminada a operação, foi retomado o patrulhamento da área", referiu o comunicado.
Distinção e o reconhecimento.

A Organização Marítima Internacional irá atribuir no dia 23 de Novembro, em Londres, um certificado especial à guarnição da fragata Côrte-real pela sua participação no esforço internacional da repressão da pirataria.
Segunda a mesma fonte Luso:
O comandante da fragata Corte-Real expressou hoje o "imenso orgulho" da guarnição inteira pela distinção atribuída pela organização Marítima Internacional devido à sua participação na repressão da pirataria ao largo da Somália.
"É uma satisfação enorme para mim e para a minha guarnição", declarou o capitão-de mar-e-guerra Gonçalves Alexandre à agência Lusa em Londres, onde se deslocou para receber o prémio, ver o "reconhecimento do nosso esforço".
A Corte-Real tem uma guarnição de 192 militares - 22 oficiais, 45 sargentos e 125 praças, e operou no golfo de Adém e na costa da Somália no Verão passado, comandando a frota naval permanente da NAT (SNMG1).
Durante esse período impediu vários ataques de piratas e auxiliou embarcações internacionais na navegação daquelas águas, das quais Gonçalves Alexandre destacou "duas acções concretas".
"Conseguimos evitar o sequestro de dois navios mercantes", contou, um com pavilhão das Bahamas e outro de Singapura.

Não havendo outros motivos assinaláveis para me orgulhar deste País, orgulho-me da intervenção da nossa Marinha e dos fuzileiros na NATO (SNMG1) por decisão unânime do Conselho da Organização Marítima Internacional.
Parabéns!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A Democracia e os militares

Durante alguns anos ainda acreditei que em democracia o único órgão que se podia confiar era nos Tribunais e na Justiça. Mesmo tarde, como me dizia o advogado Francisco Marques Bom, era o único órgão a quem podíamos recorrer. Quando fiz o curso de Direito ainda pensei concorrer a magistratura mas por motivos vários, que não vem aqui ao caso, não concorri. Julgava, à época, que ser juiz era estar do lado da verdade e julgar os casos com imparcialidade, independência, saber, e fazer justiça em conformidade com a lei. Hoje, face aos acontecimentos – públicos e notórios – os tribunais e a justiça não são confiáveis. Significa pouco ou quase nada a qualificação, conferida pela Constituição Portuguesa aos Tribunais, de Órgão de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Ou que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Esse Órgão soberano, que são os Tribunais, bem como a inerente independência e imparcialidade dos juízes perderam a virgindade – como escreveu o analista e Professor de Direito Carlos de Abreu Amorim – quando os juízes e procuradores do Ministério Público aceitaram as suas nomeações para os cargos da governação. Esta promiscuidade entre magistrados e políticos veio desacreditar uns e outros com a agravante para os primeiros. Na verdade, nunca aceitei este tipo de casamento ou união de facto e estou ciente que a grande maioria dos magistrados também não. Por outro lado, não faltam juristas e advogados para ocupação dos ditos cargos políticos... só que é mais importante as hipotéticas contrapartidas recebidas em troca… Se se perguntar se a lei proíbe essas nomeações, direi que não e que até garante a incompatibilidade juízes em exercício das suas funções... Mas então, aonde fica a ética? Agora, uns e outros queixam-se e a culpa é da lei que tem outra vez de ser mudada… «zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades» e o povo é que paga, como diz a canção de António Variações!
Nós vamos dizendo: que vergonha, mas não serve de nada… O comportamento dos partidos da oposição também não é melhor quando se trata de interesses corporativos, como a título de exemplo a contagem do tempo de reformas dos cargos políticos (A.R.) e do financiamento dos partidos – sobre tais matérias respondem todos pronto!
Não vou dar vivas ao antigo regime nem a Salazar porque ainda preservo os valores da democracia e da liberdade, mas as vezes “dá-me ganas”, não minto! Um País como o nosso, de fortes tradições históricas vem perdendo, pouco a pouco, valores e princípios que sempre o nortearam. É certo que uma sociedade aberta fica mais permeável – para o bem e para o mal – as contingências do exterior e Portugal, quando integrou a CEE - agora União Europeia - corria esse risco. É incontornável e também sei que toda a avaliação se faz em termos perdas e ganhos… Só que isso não significa vender a alma ao diabo! Perder a nossa identidade e os seus valores. Que os nossos concidadãos deixem de comungar ou partilhar esses valores de forma saudável, na sociedade portuguesa. Que deixe de sustentar o compromisso, a palavra dada, a honra, de pugnar pela verdade e da ética nas profissões e na política. Estava com estas excogitações quando recebi uma mensagem do Comandante e amigo Pascoal Rodrigues sobre uma alusão a preparação das forças armadas chinesas, com imagens passadas (Youtube). Associei aquela preparação militar a outros países como o Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, União Soviética e a Portugal. Em todos eles havia um traço comum: correcção no uso dos uniformes, manejo das armas, postura do corpo e alinhamento em parada e em marcha. Em suma, rigor e disciplina. Nas forças militares chinesas, o rigor e o grau milimétrico da exigência pode ser exagerado, mas é preferível a uma “tropa fandanga” descoordenada e sem comando. Felizmente, que as nossas forças armadas (apesar de um ou outro ameaço político…), ainda preservam o aprumo militar. Imagino o que seria se a governação pudesse recrutar civis para os postos superiores dos três ramos das forças armadas! Então, acabava-se com tudo e não mais se poderia falar de ética. Até nos militares…

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A resistência do Comandante

Qualquer operação, por muito bem planeada que seja, nem sempre resulta bem. Às vezes, é preciso partir para um plano B, outras até para C. Quem esteve na Guerra sabe que nem sempre se ganham todas as batalhas e que o inimigo espreita e ataca de forma inesperada; às vezes, as emboscadas ardilosamente encapotadas, provocam danos profundos; outras vezes, quando detectadas a tempo, consegue-se evitar o obstáculo. Em qualquer das situações, um bom operacional não desiste e vai sempre à luta.
Há uns meses largos, o comandante travou algumas batalhas de cariz diferente. Um problema prostático levou-o a uma intervenção cirúrgica e ao tratamento de sessões diárias de radioterapia, quarenta no total. Para fazer essas sessões tinha que se deslocar 100 quilómetros da cidade de onde vive para a cidade de Londrina (Brasil) ou seja : todos os dias tinha que fazer 200 quilómetros e no regresso ainda ia trabalhar!
Após aqueles tratamentos, houve uma avaliação trimestral; e depois disso, ainda teve de ser intervencionado. Era um cancro que desta vez ficou limpo e curado. Fará uma vigilância distanciada, anual. Tudo isto e para quem já pisou a casa dos setenta é obra e é preciso muita resistência. Foi uma grande vitória do comandante. Esse comandante chama-se Alberto Manuel Barreto Pascoal Rodrigues!
Um exemplo e uma recomendação para todos nós: vale sempre a pena lutar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Balada de Outono

Há quatro anos, no 1º Encontro do DFE4, em cerimónia religiosa celebrada na Capela da Escola de Fuzileiros, dizia o Frei Paiva Boléo, a propósito do nosso Encontro 40 anos depois: …Nós não somos da brigada do reumático, embora já possa existir algum reumático … dando ele conta de já ter algum. Poder-se-á perguntar o que é que isto tem que ver com o título deste post? Tem. O Outono faz parte de uma das estações do ano e estamos agora a passar por ela … Quanto a Balada é um canto, musicalmente melodioso, que não tem necessariamente de ser triste e pode ser muito belo como a Balada de Otõno de Joan Manuel Serrat que, para quem quiser ouvir, tem o YouTube aqui ao lado.
Comentava a «avozinha» - eu prefiro chamar-lhe Regina - que «envelhecer é o preço que pagamos por estarmos vivos» ao mesmo tempo lembra as loucuras da juventude em que o pensamento contrastante parece negar essa afirmação: «…numa idade em que nós imaginávamos que seríamos eternamente jovens.». Racionalmente, não posso estar mais de acordo com esse pensamento. Emocionalmente, perco a noção do tempo e da própria realidade ou então, é o meu subconsciente que não aceita! Para mim, continua a ser Verão e prefiro o que escreve a letra do refrão da canção popular do brasileiro Zeca Pagodinho: Deixa a vida me levar…
A conclusão do comentário da Regina é uma mensagem positiva que vale a pena acolher: «o segredo para que esta caminhada seja uma coisa divertida é fazer de cada dia um bom dia, mantendo em actividade o corpo e o espírito, e já agora não olhar muitas vezes para o bilhete de identidade…»
Regina
, já agora, um pedido: Não deixe de visitar ou de comentar blogues mesmo que reportados a fuzileiros, como é caso.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

A história da avozinha


A história da avozinha é uma história verdadeira apesar ter acontecido há décadas. Nessa época, a grand-mère tinha 89 anos de idade e hoje está viva e de boa memória!
Vem esta história a propósito de um comentário interessante sobre o Moço de Quelfes aquando do meu Encontro com ele no Algarve, descrito recentemente neste blog. Antes porém, queria realçar o papel importante que todas as avós de hoje – jovens de ontem, como nós - tiveram na Guerra do Ultramar. Foram o nosso apoio logístico de retaguarda e a nossa esperança de um sonho no regresso... A comunicação epistolar, através dos celebérrimos aerogramas, afagavam os momentos de solidão resguardados em vigilâncias descontínuas e em rondas nocturnas. Era uma comunicação entre rapazes e raparigas, de idades compatíveis, até onde a imaginação e o pensamento levavam e a cumplicidade o permitia. Em alguns casos, a cumplicidade deu lugar à comunhão de corpos e ao casamento, noutros, terminou com o fim da Comissão.
Porque achei importante o comentário afectuoso da «avozinha» - uma jovem para as nossas idades – aqui fica o texto que ela escreveu:

O Moço de Quelfes…


pois o moço de Quelfes era (não sei se ainda é) uma pessoa com um grande sentido de humor:Já lá vão muitos anos mais de 40,quando um marinheiro pedia uma correspondente dos 8 aos 88 anos , resolvi responder apesar dos meus 89.........bem só digo foi uma sucessão de troca de aerogramas de partir o coco a rir. Ele era o meu netinho e eu a avózinha.... e já não me lembro qual de nós deixou de escrever. Hoje não sei como, dei por mim a navegar neste blog e a regressar aos meus vinte anos lembro-me muito bem era o Manuel Filipe Viegas da Cruz natural de Quelfes. Gostei de saber que tinha sobrevivido á guerra e gostei de recordar os meus bons tempos de estudante.
Um abraço para o meu netinho e tudo de bom


Ao tomar conhecimento desta história, contactei o Quelfes; primeiro através de email, com cópia do texto, e depois por telefone a perguntar-lhe se ainda se lembrava deste episódio importante da vida. Não só se lembrava como ficou abalado. Assim:

Filho da Escola,

Aqui estou um pouquito contigo. Fazendo suite a nossa conversation telefónica, mais uma vez te agradeço pela visita a Quelfes.

Oh merda, deste-me uma punhalada com essa da " Avozinha": certamente sempre me lembrarei desse anuncio na Plateia " 8 aos 88 " mas o que me dói é que: só me lembro perfeitamente da; M.V.B.O. que tinha o cabelo azul. Daria alguns anos do pouco tempo de vida que me resta para a conhecer pessoalmente e me fazer perdoar do tempo que a fiz perder (o tempo não se perde mas transforma-se) de vez em felicidade (a pesar desta não existir) tão efémera é que nos dizemos passei alguns momentos! Bem venhamos aos anos 60. 43 anos se passaram e eu sempre estou pensando na hora em que apanhei o comboio no Barreiro e não em Santa Apolónia!
Em meu nome e em nome de todos antigos camaradas, uma saudação especial a todas as avozinhas.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Daqui não se houve nada, Sr. Tenente...


Quando estive agora a passar “férias” no Canadá, em casa do casal Maduro, houve tempo para muita conversa, até viajar pelo passado... O Agostinho, natural da Ilha Terceira – para muitos o Açores ou açoriano – tem sempre muitas histórias para contar e com graça! Parece que o estou a ouvir: Lembras-te, Álvaro? Pois bem, uma dessas histórias, de que já não me lembrava completamente, passou-se na Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, vésperas do juramento de bandeira da recruta de Março de 1962. Os protagonistas foram o tenente Heitor Patrício e o “nosso filho da escola, o Granel”. Granel era uma expressão muito usada na Marinha para significar desorganização, indisciplina, rebaldaria, etc. O autor da alcunha costumava usá-la por tudo e por nada: isto é um granel, isto está um granel…mas que granel…
Certo dia, durante um ensaio para o juramento de bandeira, com o pessoal formado em parada, é dada a voz de comando pelo tenente Patrício ao centro: COM-PA-NHI-A… quando uma outra, vinda de um dos flancos, de pronúncia acentuadamente nortenha, se faz ouvir: xenô tenente, daqui não se ouve nada! Era a voz do Granel. O tenente Patrício, já um tanto “afinado” e numa linguagem bem “vernácula”responde : Não se ouve nada a “coisa” da tua tia”…

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Encontro com o Filipe ou moço de Quelfes-II

Continuação...


Terminada a refeição, fomos visitar o «Ramos/António Ramos Gago»» e não Silva como referi inicilamente, também fuzileiro (casado com uma prima do Filipe) que, por motivo de ter sofrido um acidente no curso de fuzileiros especiais, não seguiu connosco para Angola no DFE-4; seguiu mais tarde integrado no 6º Destacamento. Daqui, fomos para Faro aonde o Quelfes tem um apartamento num dos últimos andares com uma vista panorâmica belíssima para a cidade, conforme imagem que aqui se publica. Por fim, fomos ainda beber um copo e conversar um pouco mais!...
Lembramos alguns dos antigos camaradas do DFE-4; o percurso de vida de uns e da carreira militar de outros. O Filipe, que fez 3 Comissões em África, chegou a cabo aos 22 anos e poderia ter uma carreira promissora… Mas, segundo ele, nunca gostou muito da classe de sargentos e, pelos vistos, não gostaria de passar por ela! Coisas do Quelfes… Em França, ainda chegou a encontrar-se com o Alex – José Alexandre Ferreira, 16 446 - e o Bento de Sousa, ambos falecidos. O Fernando, muito recentemente.
Foi um encontro agradável e espero que da próxima vez o possamos alargar a outros antigos companheiros. É um desejo concretizável…

domingo, 30 de agosto de 2009

Encontro com o Filipe ou moço de Quelfes


Na sequência de alguns e-mails trocados com o Filipe (Manuel Filipe da Cruz Viegas, mais conhecido entre nós pelo nome de moço de Quelfes…) concluí facilmente que ele estava no Algarve. Depois, pelo teor de uma das suas mensagens seguintes, em que me confirmava estar para breve o início do seu período de trabalho com a apanha da «alfarroba, amêndoa e capinagem…»; não seria certamente em Paris, onde reside, que iria trabalhar destarte!
Depois do nosso regresso do Canadá (meu e da minha mulher) e de umas férias maravilhosas com o casal Maduro (Agostinho e Mimi), fomos passar três dias ao Algarve. De Portimão, telefonei ao nosso amigo Filipe e marcámos encontrarmo-nos. Assim aconteceu, fomos ter com ele a Quelfes - uma freguesia pertencente ao concelho de Olhão e distrito de Faro - sua terra natal. Após alguns contactos pelo telemóvel, até lá chegarmos, alcanço a figura do «Quelfes» na estrada; não sendo uma surpresa, porque contava com isso, reconheci-o de imediato! Não digo que ele está na mesma porque, na verdade, desde o nosso regresso de Angola, em 1965 que não nos voltámos a ver mais! Passaram-se 44 anos mas ainda assim reconheci-o muito bem… Abraçamo-nos, com sentimento, e começamos logo a conversar… Mostrou-nos a sua propriedade, do outro lado da rua: uma grande moradia cercada e rodeada com árvores de fruta. Eram bem horas de almoço e como havíamos acordado, fomos a Olhão almoçar e o prato era rodízio de peixe. Uma autêntica maravilha! Nunca tinha comido uma variedade de peixe tão gostosa como aquela. Continuamos a nossa conversa ao sabor da comida e da bebida, naturalmente, acompanhada com vinho da região…

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Canadá e as férias com o casal Maduro


Há muito que o amigo Agostinho Maduro, e esposa, nos tinham convidado para passar umas férias com eles no Canadá. Inicialmente, visitar o Canadá não era uma prioridade, mas a expectativa de reviver e partilhar momentos da vida com um antigo camarada fuzileiro, e amigo de sempre, era uma tentação. Esta foi a grande motivação.
Havia passados 40 anos, até que - graças ao Almada - em Março de 2005 se realizou o 1º Encontro do Destacamento de Fuzileiros Especiais, nº 4 (Angola 1963/65) e com ele a vinda do casal Maduro a Portugal; esta viria a repetir-se no 3º Encontro de Abril de 2008.
Entretanto, o tempo encarregou-se de triplicar as nossas idades e de as preencher com as experiências vividas. Do meu ponto de vista, o seu historial é interessante e faz sentido a retrospectiva e partilha. Os quinze dias vividos em Casa dos Maduros foi tudo isso e muito mais… Mostrou-nos que o Canadá, além de ser um grande País é um País grande (dos maiores, ou o maior País do mundo): jovem, multicultural e rico; é de uma beleza extraordinária não só aquela criada pela arte e engenho humanos ( CN Tower, Skylon Tower…) como aquela doada, generosamente, pela própria natureza. Niagara Falls, os Lagos e as Mil Ilhas, são um exemplo!
A educação e o civismo despertaram-nos, desde logo, a nossa atenção. O atendimento, em qualquer serviço (público ou privado) é de cinco estrelas: tanto para quem pede uma informação ou esclarecimento como para quem o presta. Amiúde, surge um sorriso e sempre um obrigado (thank you…). As regras de trânsito são mesmo para cumprir e os limites de velocidade, tolerância zero, ou melhor, não há tolerância. Também não há contemplações para o infractor: este sujeita-se a ficar sem carta, pagar as multas e ainda acumular pontos negativos por cada transgressão cometida … O álcool é interdito fora de portas…
Os passeios dados foram o máximo e as visitas realizadas abrangeram os pontos mais interessantes de Toronto, capital da Província de Ontário, bem como da cidade de Ottawa, capital do Canadá . Tudo bem planeado pelo Casal e com a condução controlada pelo Agostinho Maduro e às vezes com o auxiliar GPS. Valeu!
Concluindo: foi uma combinação perfeita que associou a nossa amizade a um belo e acolhedor País chamado Canadá.
Obrigado!
Thank you!

Fuzileiro para sempre…



Realizou-se ontem o funeral do nosso amigo e filho da escola Fernando Bento de Sousa, que teve as tradicionais cerimónias religiosas, seguindo depois o corpo para o cemitério dos Montes, em Alcobaça, acompanhado por familiares e amigos, incluindo os companheiros do DFE4, em sua simbólica representação. São sempre momentos de tensão e forte emoção. A mim, o que mais me emocionou foi quando a esposa - ora viúva - se levantou da cadeira e se aproximou de mim dizendo: venha ver uma coisa, segui-a e por indicação sua, aproximei-me mais da urna e e então reparei que do lado direito da cabeça do Fernando estava a colocada a boina de fuzileiro especial, impecavelmente dobrada. Comovi-me mas não consegui dizer nada…
Pensei depois no grande orgulho que Fernando Bento de Sousa, durante toda a sua vida, terá sentido em ter sido Fuzileiro (e ter servido o País…). Sim, uma vez fuzileiro, fuzileiro para sempre…

sábado, 15 de agosto de 2009

Falecimento



É com grande pesar que comunico a todos os filhos da escola e amigos, o falecimento de Fernando Bento de Sousa, que pertencia à recruta de Março de 1962 e que após a conclusão do curso de fuzileiro especial, integrou o DFE4 e seguiu em Comissão para Angola, período de 1963-65. Era da Secção D e fazia parte da esquadra do António Piriquito.
A morte é sempre uma realidade difícil de encarar por todos nós e mais ainda entre familiares e amigos; mesmo quando o sofrimento é doloroso, como terá sido o caso.
Para o filho Hélder de Sousa, sua mãe e família, a minha solidariedade e pesar de sentidas condolências.
Amigo e camarada, que descanses em paz.

Recordando
1- Foto ano 2005 ( 1º Encontro DFE4)
2 - António Piriquito, Faias e Bento de Sousa
3- Júlio Santo, Bento de Sousa e Álvaro Dionísio ( da esquerda para direita em cima).

quinta-feira, 23 de julho de 2009

De vez em quando a vida

Durante quinze dias vou estar de férias, ausente do contacto com os meus amigos e visitantes deste blog. Pensei que nada melhor para comemorar esta partida para férias do que deixar aqui um poema e uma música. O autor deste lindo poema (e música), De vez em quando a vida -« De vez en cuando la vida» - é Joan Manuel Serrat - e podemos ouvi-la aqui ao lado no You Tube: copiar o título original, colocá-lo no rectângulo e clicar em search. Espero que seja do vosso agrado. Eu gosto muito!



De vez em quando a vida beija nossa boca

e em cores se espalha que nem atlas.

Nos passeia pelas ruas em carroça

e nos sentimos em boas mãos.



Se faz à nossa medida e gruda ao nosso passo

e tira um coelho da velha cartola

e somos como crianças

quando saem da escola.



De vez em quando a vida toma comigo café

e está tão bonita que gosto de vê-la.

Solta o cabelo e me pede

pra sair com ela à cena.



De vez em quando a vida se oferece nua

e nos brinda um sonho tão delicado

que é preciso ter cuidado

pra não quebrar o feitiço.



De vez em quando a vida afina o seu pincel.

Arrepia nossa pele e faltam palavras

prá dizer o que oferece

aos que sabem usá-la.



De vez em quando a vida brinca com a gente

e acordamos sem saber o que se passa

chupando palito, sentados,

acima de uma cabaça.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

II-NACIONALISMO IMPERIAL E A PARTILHA DE ÁFRICA (1875-1891)


África e a opinião pública portuguesa
Os ecos de África, via europeia, influenciam a opinião pública portuguesa. São as notícias das viagens de exploração que se multiplicam por África: Livingstone, Stanley e Cameron, rondavam nas próximas das possessões de Angola e Moçambique. Como reacção a esse impulso externo, de ameaça latente ou pressentida, Portugal fez-se representar no Congresso Internacional de Geografia de Paris, no verão de 1875. Nessa mesma ocasião é fundada a Sociedade Portuguesa de Geografia de Lisboa e a Comissão Permanente de Geografia, cujos objectivos, de acordo com os estatutos, eram os de fazer «o estudo, a discussão, o ensino, as investigações e as explorações científicas de geografia nos seus diversos ramos, princípios, relações, descobertas, progressos e aplicações» com particular incidência nos «factos e documentos relativos à Nação portuguesa» (…). A Comissão Central Permanente era uma instituição oficial, da iniciativa do ministro Andrade Corvo que terá, com José Júlio Rodrigues (delegado ao congresso de Geografia de Paris), anunciado o propósito de fundar em Portugal uma «repartição de geografia e história». A Sociedade de Geografia tem carácter particular e deve-se à vontade de Luciano Cordeiro que, juntamente com Rodrigo Pequito, Cândido de Figueiredo, João Cândido de Morais e Emiliano Betencourt integraram a comissão instaladora. Em 31 de Dezembro de 1875, são aprovados os estatutos.
Ambas as instituições (Comissão Central Permanente – oficial e Sociedade de Geografia, de cariz particular), na sua fase inicial, fixaram como objectivo prioritário a organização de expedições científicas em África.
Por decreto de 11 de Março de 1877, foi determinado a realização de uma expedição de carácter nacional destinada a «explorar, no interesse da ciência e da civilização, os territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique e a estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze».
Se havia unanimidade quanto a urgência da iniciativa da expedição já quanto aos objectivos a divergência era manifesta. Luciano Cordeiro debatia-se pela exploração de África Central: estudo sobre as origens do Zaire e do Zambeze e as relações com os lagos do interior para efectuar a ligação entre Angola e Moçambique. A concepção expansionista do império estava subjacente: a formação de um bloco compacto do litoral angolano à contracosta. Por outro lado, a realização de um feito que ombreasse com as grandes viagens de Stanley e de Cameron. A outra corrente, defendia a concentração de esforços numa área reduzida, limítrofe já sob a soberania de Portugal, visando a obtenção de resultados precisos e concretos, de ordem geográfica e económica. Era a opinião de Júlio Rodrigues na Comissão Permanente, sendo também a tese que melhor se ajustava a política de Andrade Corvo que preferia a consolidação das posições já adquiridas.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

I-NACIONALISMO IMPERIAL E A PARTILHA DE ÁFRICA (1875-1891)

Nas décadas de setenta há o despertar do interesse de várias potências europeias por África e sua partilha. Esse interesse, ao longo do século XIX, levara as sociedades europeias a expandir-se em várias zonas do mundo. Ao que consta, esse movimento terá aumentado a partir de meados da década de cinquenta por influência e pressões externas e acção dos comerciantes, dos exploradores e dos missionários instalados no conjunto do continente negro. São essas formas lentas de penetração em África que, subitamente dão lugar, no último quartel de oitocentos, a uma política deliberada por parte dos diversos estados europeus, visando a rápida constituição de domínios imperiais em África. É isso que marca a época da partilha.
Como se explica esse interesse pelas terras africanas, eis a questão. Há uma corrente que acentua os factores económicos: a procura de novos mercados e de novas fontes de matérias-primas ou ainda uma forma de aplicação de capitais acumulados, dado a crise de pressão económica entre 1873 e 1876. Conforme refere Valentim Alexandre, esta tese, corrente à época, é teorizada por Hobson no seu livro O Imperialismo, Estado Supremo do Capitalismo, onde a expansão colonial de finais do século XIX é atribuída a pressão dos «monopólios». Parece que a apetência por África dos grandes grupos capitalistas não terá sido assim tão categórica dado que o investimento externo no continente negro era insignificante. Os casos do Egipto e da África do Sul, são excepção.
A outra corrente, interpreta o interesse europeu pela partilha como simples extensão a África como um jogo de tensões e rivalidades entre as grandes potências. Jogo esse que a partir dos anos sessenta se agudizara, emergindo a Itália e a Alemanha como nações politicamente unificadas (a vitória da Alemanha na Guerra Franco-Prussiana). Também esta perspectiva parece insuficiente. Será o conjunto de vários factores, todos eles associados ao desenvolvimento do capitalismo no século XIX, como o da penetração externa no interior do continente negro, das comunicações, e da tecnologia militar e os progressos da medicina que influencia esse súbito interesse europeu pela partilha africana, no último quartel de oitocentos. O interesse do Estado Português pelo ultramar não nasce aqui, é anterior, como sabemos. A colonização africana tem o seu início em 1820 (até essa data, as preocupações voltavam-se sobretudo para o Oriente e, a partir de 1640 para o Brasil). Todavia, o interesse europeu por África não deixa de condicionar a acção portuguesa, imprimindo-lhe um novo ritmo.
Moçambique, após a abertura do Canal do Suez, em 1869, e da descoberta dos campos de diamantes e de ouro (1867 e 1869) na África do Sul, é visto com outros olhos e não já como fonte de encargos.
A relação de maior proximidade com a costa oriental encontra eco na passagem por Lisboa (1875) do sultão de Zanzibar, do presidente do Transval ou então, noutra condição, do xeque de Quitangonha (Moçambique), preso várias semanas num navio ancorado no Tejo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVIII

Reacções da imprensa portuguesa a abolição da escravatura

Em termos gerais, a imprensa da Metrópole, no início da década de 1870, era favorável a abolição da escravatura e do trabalho servil. Contrariamente ao que acontecera em anos anteriores, aceitava facilmente a argumentação daqueles que propugnavam por regulamentos coercivos e por leis de repressão da «vadiagem».
Em tal contexto, coube ainda a Sá da Bandeira o principal papel de ataque às teses escravistas (v.g. O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial -1873). Este velho liberal (nome verdadeiro Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, natural de Santarém, nascido a 26 de Setembro de 1795 e falecido em Lisboa, a 6 de Janeiro de 1876), anunciava ainda a sua intenção de apresentar na sessão legislativa uma proposta de lei para que fossem «declarados completamente emancipados todos os libertos». Dessa iniciativa, nasceu o projecto aprovado na Câmara dos Pares a 30 de Março de 1874, com texto da responsabilidade das Comissões de Marinha e do Ultramar, embora se afastando de vários pontos dos propósitos iniciais de Sá da Bandeira.
Nos termos do projecto, a lei só teria efeito um ano após a sua publicação nas colónias, sendo os ex-libertos depois obrigados a contratarem os seus serviços por dois biénios sucessivos. A falta de contrato tornava-os passível de prisão por «vadiagem». Ainda assim, baixado o projecto à Câmara dos deputados (1874), não chegou o mesmo a ser votado na especialidade. Recuperado no ano seguinte, deu origem à lei de 29 de Abril de 1875, que reproduz o texto primitivo mas com as alterações de Sá da Bandeira: os ex-libertos ficavam agora obrigados a um único contrato bienal; a «vadiagem» passava a ser punida pelas leis penais, nos termos do respectivo Código, que transferiu a questão do âmbito administrativo para o judicial, em princípio com maiores garantias. As Cortes, quase sem resistência, aprovaram. As elites políticas nacionais manifestavam agora uma certa preocupação em fazer alinhar o país na vanguarda das nações europeias e da sua missão «civilizadora». Mas legislar, não resolvia só por si o problema. Tudo dependia das relações de forças no terreno. Consciente desse problema, Sá da Bandeira bater-se-ia pela responsabilidade dos governadores coloniais pelo cumprimento da lei. Também os objectivos de Andrade Corvo não se cumpriam face as resistências das forças em que o próprio projecto imperial se apoiava.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVII

Inquietações dos escravistas acerca da caducidade do direito aos serviços dos ex-escravos

Naquela perspectiva, havia um ponto perturbador no decreto (de 25-02-1869) que era o de fazer caducar o direito aos serviços dos ex-escravos a 29 de Abril de 1878. Mas Sá da Bandeira (em 29 de Agosto de 1870, na efémera chefia do governo) veio de novo a chamar a atenção – com a inquietação dos escravistas ao esclarecer que em 1878 cessariam, não apenas a obrigação de servir dos escravos emancipados em 1869, mas os serviços de todos os «libertos», pondo-se termo ao trabalho forçado no ultramar português (Portaria Circular de 25 de Outubro de 1870). Em resposta, o sector escravista passaram à ofensiva, iniciando uma campanha que visava garantir a permanência para além do ano de 1878 das coerções sobre a mão-de-obra negra. A Associação Comercial de Lisboa, principal ponto institucional de apoio, constituiu uma comissão encarregada de estudar a questão do trabalho em África, fazendo parte dela, entre outros, António José de Seixas, Francisco Chamiço (fundador e administrador do Banco Nacional Ultramarino) e J. da Costa Pedreira (proprietário em São Tomé). O projecto de «representação» aos poderes públicos por aquela Associação (aprovado em assembleia geral a 27 de Maio de 1872), será a principal arma de guerra ideológica contra os propósitos abolicionistas.
Na comissão da Associação Comercial de Lisboa havia duas correntes. Uma que aceitava o estatuto do «liberto» em 1878, indo ao ponto de aceitar a antecipação da data, desde que previamente se promulgasse o regulamentos que garantissem a obrigação de trabalho do negro e leis penais de repressão da «vadiagem», atalhando, desta foram, a natural tendência da raça preta para a indolência e o vício. Esta era a opinião de Chamiço que acabou por prevalecer na representação final apresentada. Os pareceres assinados por Pedreira, Albino Morais e sobretudo o da autoria de Seixas foram bem mais longe. Defendiam a manutenção em vigor do decreto de 14-12-1854, dando cobertura a condição de «liberto» para além de 1878 e ao «resgate» de africanos nos sertões leste de Angola.
A esmagadora maioria dos artigos e «correspondências» provenientes de África defendiam tais posições. Por exemplo, no projecto de regulamento oferecido pelo grande proprietário angolano Alberto da Fonseca e Costa a Associação Comercial de Luanda, como contributo, e que decidira apresentar ao governo sobre a questão do trabalho, se toma como base a obrigação do «preto importado» servir por dez anos a quem o «resgatasse», a título de «aprendizagem», sendo no entanto lícito a venda dos seus serviços.
O recurso à via da repressão da «vadiagem» transformava a questão do trabalho forçado numa campanha conducente a discriminação da população negra no seu conjunto, a pretexto da «indolência» e da consequente necessidade de a obrigar a «civilizar-se» e a contribuir para o progresso geral.
Contra o fogo dos escravistas reagiam algumas vozes minoritárias. Era o caso do jornalista angolano João de Fontes Pereira. De Moçambique, vinham as opiniões de Diocleciano das Neves (célebre caçador de elefantes) que, dado a sua experiência sertaneja, desmentia a ideia de que o negro se recusava ao trabalho, fazendo ver que a maior parte das exportações dos territórios angolano e moçambicano era constituída por produtos cultivados ou apanhados pelos «pretos livres» do interior, que os vendiam ao branco. Admitia porém que esses «pretos livres» se negassem frequentemente a servir mas apenas aos portugueses, que os obrigavam a trabalhar gratuitamente para além de os submeterem a outras prepotências (Jornal do Comércio de 06-11-1871).

quarta-feira, 8 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVI

Queda do governo

Em Junho de 1879, o governo de que Corvo fazia parte cai e todo o impulso se esgota, embora, no ano seguinte se tenha levantado mais 400 contos por empréstimo para concluir as obras iniciadas.
No campo das relações externas, há uma tentativa de alterar a situação existente com a Inglaterra pela negociação de uma série de acordos, precedidos (até certo ponto preparados) pelas pautas promulgadas em 1877 para Moçambique e Guiné, mais liberais do que as então em vigor. O primeiro desses acordos dizia respeito ao território de Goa, no qual se previa a construção de um caminho-de-ferro que ligaria o porto de Mormugão à rede da Índia britânica. O segundo tratado visava a construção de uma via férrea entre Lourenço Marques e o Transval, em troca de facilidades de comércio e trânsito concedidas em Moçambique às mercadorias britânicas, e de uma maior liberdade de acção conferida à marinha inglesa para a repressão do tráfico de escravos nas águas territoriais da colónia. Por último, num terceiro acordo, se definiria a fronteira norte de Angola, garantindo a Portugal a margem esquerda do Zaire. Mas o projecto acabou por abortar tal como o próprio tratado de Lourenço Marques, concluído a 30 de Março de 1878, que não chegou a obter a ratificação das Cortes portuguesas.
A Política externa de Andrade Corvo, estribada na cooperação e na solidariedade das nações europeias na tarefa de «civilizar» o continente negro viria agora a opor-se as rivalidades nascidas da partilha de África, entretanto iniciadas e ainda as formas mais radicais de nacionalismo imperialista que emergira em Portugal.
Quanto a questão da mão-de-obra negra, os objectivos de Andrade Corvo terão sido atingidos, embora por iniciativa de Sá da Bandeira, apoiada pelo governo, as Cortes aprovaram (29 de Abril de 1875) uma lei que extinguia o trabalho servil doze meses após a data da sua publicação no ultramar. Também aqui, as resistências foram fortes e lograram as expectativas do ministro. Como Já se referiu, o decreto de 29 de Abril de 1858, sobre o «estado de escravidão», que deveria findar vinte anos mais tarde em todo o ultramar português (mediante indemnização aos donos dos escravos…), teve depois o seu prazo encurtado por Sá da Bandeira que, aproveitando a sua breve passagem pelo poder fez decretar (25 de Fevereiro de 1869) a abolição imediata da escravatura, passando os escravos a condição de «libertos», com obrigação de servirem os seus antigos proprietários até 29 de Abril de 1878. Mas nas colónias, o decreto poucas repercussões teve. Dois meses depois, o jornalista angolano João de Fontes Pereira referia que a abolição da escravatura «nenhum efeito moral» produziria entre os negros, já que a sua condição, «quer como escravos, quer como libertos», em nada diferia «para os resultados desejados pelos escravistas. Na mesma data (1869), uma carta vinda de Luanda corroborava a opinião do jornalista, assinalando que a abolição não provocara «abalo algum» em Angola, ninguém se queixava de quaisquer prejuízos que dela houvessem resultado (carta do secretário-geral do governo de Angola a Sá da Bandeira).
Mais tarde, um dos grandes proprietários de São Tomé, Jacinto Carneiro de Sousa e Almeida, dirá que «todos quantos se encontravam naquelas paragens» quando o decreto de 25 de Fevereiro de 1869 fora promulgado o receberam «com indiferença a que tinha direito» dada a «inocência das suas disposições», uma vez que as condições de escravo e de liberto se equivaliam, estando ambos obrigados a serviços que podiam ser vendidos como mercadoria. Desta forma, ao «crismar» de libertos os escravos, o governo de Sá da Bandeira não fizera mais do que «riscar dos nossos dicionários uma palavra» (Jornal do Comércio de 16-01-1876).

terça-feira, 7 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XV

Fomento e desenvolvimento económico


O desenvolvimento das vias de comunicação, a liberalização do comércio externo das colónias, a cooperação internacional, em particular com a Grã-Bretanha, a extinção de todas as formas de trabalho forçado e integração pacífica das populações africanas foram algumas das medidas de fomento económico - como objectivos centrais do modelo modernizador – que Andrade Corvo tentou aplicar. Todas encontraram obstáculos que as inviabilizaram.
As chamadas «expedição de obras públicas», destinadas a «organizar em largas bases»
o respectivo serviço e a «dispor os meios de abrir pontualmente vias de comunicação, para facilitar o comércio interior das províncias ultramarinas» inseria-se na preocupação do desenvolvimento da economia colonial. O seu financiamento foi assegurado por lei de 12 de Abril de 1876, autorizando o governo a contrair para esse fim o empréstimo de 1 000 contos, devendo propor «sucessivamente às Cortes os meios necessários para a continuação e conservação das obras». Assim, houve o levantamento de mais 800 contos em 1878 e de 300 em 1879. Tais «expedições», instaladas em Angola e Moçambique desde meados de 1877 e seguidamente também em Cabo Verde e São Tomé, constituíam um facto novo na vida do império quer pela mobilização do pessoal da Metrópole – engenheiros, condutores de obras públicas e artífices – quer pelo investimento significativamente importantes que lhe estava associado em comparação com os tradicionais e magros «subsídios».

domingo, 5 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XIV

Política de abertura
A política de abertura do império ao exterior tinha um destinatário privilegiado que era a Grã-Bretanha. Ultrapassado o conflito acerca do tráfico de escravos e a promulgação de pautas menos proteccionistas, estaria reunidas as condições para funcionar a velha aliança também em África, como a cooperação em projectos comuns, caminhos-de-ferro, e sobretudo na fixação das fronteiras coloniais. Neste aspecto, Andrade Corvo via harmonia e não contradição de interesses entre os dois países, desde que Portugal, como recomendava a prudência, não fosse além da margem esquerda do Zaire, a norte de Angola (contrariando a corrente dominante, que reclamava o Baixo Congo), desistindo de unir Angola e Moçambique. Além disso e no que toca as reivindicações territoriais deveriam ainda ter em conta outro factor: as relações com os próprios povos africanos. Diferentemente de Sá da Bandeira, Andrade Corvo recusava a expansão por via militar; aceitava o aumento da influência portuguesa em África «por meios pacíficos, pela acção natural e própria da civilização», ganhando «as vontades das populações indígenas», sem provocar conflitos nem provocar ódios». Em qualquer caso seria sempre indispensável «caminhar com a máxima prudência, e saber parar a tempo», não excedendo nunca «os limites do trabalho e do capital» que estivessem disponíveis e tendo em conta as «faculdades produtivas das populações e dos territórios» que se ocupassem, sem o que, caminharia para a ruína. Esta forma de integração – e não de conquista - far-se-ia preferencialmente por aliança com os «chefes indígenas», que deveriam manter o poder tradicional em tudo que não fosse «de encontro aos princípios essenciais da civilização», concedendo-lhes o governo uma investidura e um «pensão módica». Preservar-se-ia, assim, as instituições africanas numa base de vida democrática em que o soba (ou régulo), com os seus macotas, formaria o corpo municipal no sertão; por sua vez, o «exército das liberdades municipais» ensinaria os povos a «exercer os seus direitos políticos, a governar-se, a compreender a sua responsabilidade, a contribuir para o governo e o progresso da província, e a buscar no parlamento da nação uma representação que satisfaça as suas aspirações e cuide dos seus interesses». Deste modo, o «ensino da civilização» caminharia a par dos «hábitos de liberdade», tendo como ponto de partida «o espírito e hábitos essencialmente democráticos» dos negros: educando-os e não «cerceando direitos há largos anos concedidos (Corvo, 1885:III, 387-399).
Andrade Corvo e concepções dominantes
As ideias de Andrade Corvo contrastavam com as concepções dominantes em Portugal. Ligada a perspectiva defendida por Corvo estava uma teoria racial que fazia já apelo ao darwinismo mas de um modo que acentuava os efeitos da solidariedade social impostos pela própria marcha da «civilização» - contra a «luta pela vida» pura e simples – e que recusava a hierarquização das raças com base em critérios de ordem biológica. Ao evolucionismo, Andrade Corvo ia sobretudo buscar argumentos contra a existência de uma «pluralidade de espécies no homem»: na verdade, não existiria senão um único «tipo humano», não sendo as suas diversas formas mais do que o resultado da sua «adaptação lenta (…) às circunstâncias do clima e dos meios em toda a sua extensão consideradas» - pelo que nada autorizava a estabelecer «divisões» em que se quisesse «achar a superioridade absoluta de uns, à custa da inferioridade absoluta e irremissível de outros». Todavia, certas raças africanas pareciam condenadas a extinguir-se, como inferiores, em resultado da lei da selecção natural; mas esse seria o resultado de uma «degenerescência» provocada pelo clima e pelo meio, que afectaria sobretudo «o negro da costa e das terras pantanosas», não tocando «as raças mais robustas e mais perfeitas, de formas e faculdades, que povoam o largo continente». Deste modo, a grande maioria da população negra eram sem dúvida «susceptíveis de progresso», encontrando-se nelas «disposições para ter os mais elevados sentimentos e modificar os seus usos». Só que essa evolução teria de ser lenta, tendo em conta o «estado rudimentar» das «funções» e «vida intelectual do negro ainda atrofiadas na fase em que se encontrava» (…). Tudo dependia do caminho que doravante seguisse a «propaganda civilizadora», até então prejudicada pelo «orgulho» com que o branco procurava fazer sentir a sua «superioridade de raça», pela «cobiça dos traficantes de escravos» e pela «ambição da conquista».

quinta-feira, 2 de julho de 2009

XIII
As alianças
No que respeita às alianças, caberia a Grã-Bretanha um papel particular, pelo «exercício da sua influência moral e política» no continente, onde não poderia deixar instalar-se o «domínio da força e o princípio brutal da conquista» sem prejudicar os seus próprios interesses marítimos e coloniais. Estas seriam, resumidamente, as condições para preservar as «pequenas nacionalidades», sem as quais «o espírito da Europa sofreria uma grande depressão moral, porque lhe faltaria a maior das suas maravilhosas qualidades: a unidade da civilização na variedade das compleições, das formas, dos caracteres políticos».
Para Portugal, um dos pequenos Estados Europeus, a ameaça
externa assumia porém uma forma específica que, na opinião de Andrade Corvo, o expansionismo espanhol era compartilhado por «todos os homens políticos, todos os partidos no reino vizinho». Para responder a esse perigo, defendia um nacionalismo bem temperado, de cariz liberal e progressista, que devia afirmar-se «pela respeitabilidade e sensatez da sua administração e pelo exacto cumprimento de todos os seus deveres para com as outras nações. Como fundamento último para a existência da nacionalidade, «o amor à pátria e às suas gloriosas tradições» por parte do povo português, tendo Andrade Corvo o cuidado de distinguir do «fanatismo», desse «ódio irreflectido, sanguinário e selvagem, que tornam inimigos os homens, quando uma fronteira, mais ou menos importante (…) os separa em nacionalidades distintas».
Portugal e aliados
Para além do que já foi referido, Portugal precisaria de «boas alianças». Em primeiro lugar com a Inglaterra, dadas as «tradições da nossa política» e aos «importantes e valiosos interesses» que uniam os dois países; mas também com os Estados Unidos, ao qual, dada a sua posição geográfica, com os Açores a meio caminho poderia servir de porta de acesso à Europa.
Sobre as colónias e «para tirar uma tal política todas as fecundas consequências» que dela se esperavam, tornava-se necessário «introduzir profundas mudanças no nosso sistema comercial e colonial», encetando e seguindo «ousadamente um novo sistema de política internacional, comercial e económica» que permitiria transformar Portugal no «primeiro e principal empório do comércio da América com a Europa».
Assim, Andrade Corvo pauta a sua acção política enquanto ministro (teorizando os seus Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, publicados na década de oitenta). No campo colonial, toma como princípio central a abertura do império ao exterior. O Estado Português deveria associar-se às demais nações da Europa na «grande obra» de «abrir» a África à «civilização»; se se opusesse a essa «fecunda solidariedade», ou por «inércia», ou por falsas ideias de sôfrego, cioso e estéril domínio», veria os seus direitos contestados pelas «nações civilizadas», podendo vir a pôr em risco «a sua própria existência». Tornava-se por isso urgente afastar a «velha ideia», tradicional no colonialismo português, que identificava a «posse e domínio dos territórios» a «monopólio e exclusivo de comércio», fazendo «a guerra aos produtos, aos capitais, à actividade estrangeira, como se tudo isto fossem males perniciosíssimos». Tal política, era insustentável no mundo moderno quando o direito de «aproveitar, em benefício dos povos, as vantagens resultantes do livre comércio», de «fazer chegar a todos, as riquezas que a natureza pôs a disposição de todos» fazia parte dos próprios «direitos da humanidade», não sendo lícito opor-lhe a barreira da soberania nacional. Aliás, no caso particular de Portugal, país de escassos recursos e sem indústria relevante, só haveria a ganhar com a abertura de mercados, que fomentaria a produção das colónias, com o correlativo aumento das suas exportações e com o recurso aos capitais estrangeiros, que tornariam possíveis realizar um conjunto de obras inadiáveis: caminhos e estradas, navegação dos rios e as «vias-férreas económicas» que, de acordo com Andrade Corvo, levariam aos sertões a «educação, o trabalho, a liberdade na sua acepção racional», numa palavra, a «civilização».

terça-feira, 30 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XII

Após a crise. Sopro Modernizador (1869-1879)

Passada a crise, em finais da década de 1860, a polémica sobre os destinos do império estabelece-se e nos anos subsequentes são cada vez menos as vozes daqueles que viam no ultramar um campo privilegiado de afirmação da nação portuguesa.
Em 1869, chegam notícias da descoberta de «importantíssimos jazigos auríferos e de pedra preciosa na África austral». O jornal do Comércio de 1-4,9-4 e 13-10-1869, noticiou a «extensíssima, tão rica e fertilíssima província de Moçambique», de novo transformada em Eldorado. Assim, nos começos de setenta há um breve período de euforia colonial por informações vindas de Angola, testemunhando o desenvolvimento comercial da colónia (iniciava-se, então, o ciclo da borracha); como também de Moçambique, embora em menor escala, que beneficiava da crescente relação com o Natal e da abertura do canal Suez em 1869.
Reformas
É neste contexto que a política de reformas e desenvolvimento do sistema colonial é conduzida, na década de 1870, por Andrade Corvo, na dupla qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros e de ministro da Marinha. A conjuntura, embora breve, favorecida pela prosperidade de alguns territórios ultramarinos, sobretudo Angola, terá facilitado a acção do ministro e novamente o nascimento do impulso imperial. Agora por preocupações de ordem mais genéricas. Andrade Corvo, ainda antes de assumir responsabilidades governativas, suscitava a reflexão sobre a questão nacional na sua Obra opúsculos «Perigos», escrito em 1870, quando decorria o «conflito franco-prussiano» e na península hispânica se agitava o fantasma da união ibérica. Os tratados de Viena de 1815, textos invocados por Andrade Corvo, em que analisava os princípios do novo direito internacional: O «Principio das nacionalidades», completado pelo da «soberania popular», o «sistema do equilíbrio europeu»; e a «teoria das raças». Esta teoria opõe uma recusa frontal, vendo na «sua monstruosidade aplicação à divisão dos impérios (…) um ataque a todos os princípios morais da organização das sociedades, conduzindo fatalmente à guerra, não sendo possível construir impérios. Quanto ao «sistema de equilíbrio europeu», para além de forçosamente instável, servia ultimamente de pretexto às grandes potências para reclamarem compensações territoriais (sempre às custas dos pequenos Estados, que para tal davam a «matéria-prima», não sendo nunca ouvidos sobre tão «cruéis e brutais atentados». Por último, o «princípio das nacionalidades» a que Andrade Corvo dava claramente preferência, desde que expurgado das manipulações que dele se vinham fazendo, cobrindo as anexações com o «aparente assentimento dos povos». Para que se lhe pudesse conferir um «valor real», para que não fosse um mero pretexto para refazer a carta da Europa segundo os desejos e as ambições dos grandes Estados», tornava-se indispensável tomar por base uma concepção precisa de nação, como «reunião de homens agrupados sobre um certo território, constituindo pelo assentimento geral, no que respeita à manifestação e defesa dos interesses comuns (…). Era uma perspectiva de nação de raiz contratual, assente na vontade livremente expressa dos povos. A única ressalva estava na exigência da «unidade de poder político, representando e dirigindo os comuns interesses perante os estrangeiros», como condição da existência da nação. O sentido era de conservar tanto quanto possível o traçada das fronteiras na Europa, evitando tanto os processos de fragmentação como os da unificação de Estados. A salvaguarda das pequenas potências estaria precisamente na estabilidade do sistema internacional, assente em «princípios claros, fundados na liberdade e independência das nações», bem como na sua cooperação. Como contraponto aos «grandes impérios» Corvo contava com as «grandes alianças» dos mais fracos, nas quais via o «meio profícuo de limitar e restringir a perigosa tendência que se manifestava na Europa, para a concentração das raças.
Fotos:
1-D.Luís I, rei de Portugal ( 18691-1869) à época
2- Andrade Corvo (ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha)
Texto de Apoio: História da Expansão Portuguesa, Vol.4 (Direcção Francisco Bethencourt e Kirti Chauhuri/Círculo de Leitores), autor Valentim Alexandre.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XI

Crise política
A crise política de 1858-1860 e as suas inflexões marcaram o debate sobre a questão colonial na Metrópole. Do ponto de vista institucional, as dificuldades encontradas para a organização de uma expedição militar destinada a Angola, em 1860, fazem emergir o problema da relação portuguesa entre o exército e o império.
Em Lisboa corria a notícia alarmante sobre a perda da colónia angolana e não se conseguia constituir uma força para ir em seu socorro por falta de oficiais que voluntariamente se dispusessem comandá-la. Só mediante vantagens concedidas pelas Cortes permitiu o envio de expedicionários de um curto Batalhão. Entretanto, instalara-se a polémica sobre a função e as obrigações do exército do reino, acusado por vários sectores de regatear o «preço dos seus serviços» (Jornal do Comércio, editorial de 06-05-1860) ou mesmo de ser movido «pelo amor do ouro», rebaixando “os brios militares à baixa e ignóbil bitola dos interesses sórdidos (A Nação, jornal legitimista, 08-05-1860).
As forças terrestres portuguesas estavam divididas em três exércitos distintos: o da Metrópole, o da Índia (luso-descendentes, formado pela escola local) e o restante Ultramar.
Em África, a grande maioria dos oficiais era de origem europeia, parte deles pertencentes ao quadro do Ultramar (o que impedia de regressar ao Reino antes de atingirem o posto de coronel, caso raro); outros iam em comissão de serviço, gozando de maiores vantagens. Esta divisão provocava graves atritos: existia pois uma separação quase absoluta entre os três exércitos. Era este o sistema colonial herdado do antigo regime colonial quando as colónias de África e o Oriente eram zonas periféricas, dotadas de grande autonomia e de certo modo desligadas do reino. Neste contexto, surge a exigência da fusão dos três exércitos num único corpo, responsável pela defesa do império. Mas as resistências, parte de raiz corporativa, eram tamanhas. Os militares do reino temiam que a concorrência no mesmo quadro de «oficiais do outro mundo», viessem subverter a ordem de antiguidade e preencher vagas com que contavam. Alegava-se que havia uma diferença essencial entre o serviço militar no reino, em defesa da pátria, e aquele que eventualmente se poderia ser chamado a cumprir no Ultramar. Era a recusa frontal do ponto de vista integracionista cara a Sá da Bandeira. O destino da expedição a Angola, em 1860, dizimada em alguns meses pela doença, contribuiu ainda mais para tais resistências.
No plano ideológico, o desfecho da questão da barca Charles et George – repressão do comércio negreiro -, veio contribuir para a crise de 1858-1860, ao realçar a polémica da política abolicionista de Sá Bandeira, dando novo fôlego as teses escravistas. A falta de apoio britânico (inabitual) ao Estado Português que até cumprira os seus compromissos internacionais, abria porta a contestação do tratado britânico de 1842, havendo várias vozes reclamando a sua anulação. Toda a questão da mão-de-obra adquirira nova actualidade a partir de inícios de 1865, face a apresentação de um projecto lei por Sá da Bandeira e António José de Ávila para a abolição imediata da escravatura nas colónias.
Reaparecem então os velhos estereótipos sobre a «indolência» e os «vícios» próprios da raça negra, em defesa das formas coercivas de trabalho. Surge depois um elemento novo, fazendo a apologia da compra ou «resgate» de escravos no interior de África, inculcando na linha da ideologia escravista tradicional, um verdadeiro acto humanitário, por alegadamente livrar da morte os criminosos e prisioneiros de guerra em poder dos sobas e também como o único processo de levar a religião e a civilização ao «sertão africano».
No plano político, um debate mais geral (década de 1860-1869) ganha corpo sobre a própria viabilidade do império. Debate que passa pela crescente inquietação sobre o futuro colonial do país, perante as dificuldades de rentabilizar os territórios do ultramar e os problemas diplomáticos daí advindos. Algum cepticismo é manifesto em artigos de fundo, v.g. no jornal do Comércio de Fevereiro de 1861, cuja raiz de índole humanista serve de base à recusa da era imperial, tida como inelutavelmente ligada à escravidão e ao terror. «Satisfazem as colónias de África ao generoso e cristianíssimo desígnio de civilizarem a raça vencida? - Ora digamos que nada temos feito neste sentido. A raça Africana está hoje na sua grande massa tão bárbara e tão moralmente negra como antes que nós ali plantássemos, se porventura o plantamos – o estandarte da Cruz». A situação vivida em África traça um quadro tal que contrasta com as imagens dominantes, como a seguir se transcreve: «As colónias de África são alguns brancos, que ali vivem alguns anos como que acidentalmente e sem lançarem raízes no solo, sem fundarem pela família a sociedade colonial. Em volta desta sociedade artificial e colectícia, desta cidade que todos os dias precisa de renovar-se com emigrantes da Europa, em volta desta povoação branca, cujo crescimento é problemático, acumulam-se sem outros laços mais que os da obediência, ditada pela escravidão, ou pelo terror, alguns centenares de mil indígenas, mal-avindos com a civilização cristã, que apenas conhecem pelas suas faces menos simpáticas. Uma antipatia de raça, fomentada pelos erros do sistema colonial, separa perpetuamente os dois elementos da colónia. Não há religião, não há moral, não há a educação da dignidade e do dever, não há para o negro o afecto egoísta por uma civilização, que só lhe deixa conhecer a superioridade, para ele odiosa, dos seus dominadores. O preto vive e morre selvagem dentro da cidade. O preto trabalha como um animal, pela abdicação da sua vontade, e não pelo exercício inteligente da sua liberdade pessoal»
É negada, igualmente, a utilidade das colónias para a metrópole, em termos económicos ou como destino para a sua população excedentária, concluindo o editorialista do jornal do Comércio: «As colónias não são pois para nós a cidade dilatada, para receber o supérfluo da nossa povoação. Não são também um instrumento de propaganda civilizadora. Ainda são menos uma empresa mercantil (…). Mas as colónias hão-de ser a nossa prosperidade! dizem alguns cidadãos iludidos por um benemérito amor da pátria. Não acabamos de cair nos meios com que esta profecia se há-de realizar».
A maioria inverte estes textos de cariz humanista, acima citados, lamentando-se a falta de opressão sobre o negro e as peias impeditivas sobre o trabalho forçado, assim: Que pode pois obter Portugal com a sua deplorável situação financeira, e com essa contrariedades que lhe impõe a natureza, a emancipação da espécie humana, e a voz altissonante das ideias humanitárias? – Perguntava um oficial em 1861, reflectindo uma preocupação bastante partilhada à época.
A recusa pela opção colonial não vai ao ponto de abandono pelas colónias mas antes por uma reorganização e venda de parte dos territórios ultramarinos. O principal defensor desta teoria é António José Seixas. Para ele deveriam afastar-se todas as considerações habituais sobre o valor dos territórios do ultramar como testemunhos das glórias do passado, todos os discursos plenos de «palavras elevadas e dos mais nobres exemplos da nossa bela história»
O futuro império teria de discutir-se apenas com «argumentos positivos»: os respeitantes ao desenvolvimento económico. Este era o campo cuja realidade era a da situação deplorável das colónias que jaziam «num estado que afrontava dignidade nacional».
Esta segunda concepção, que era pelo abandono do império e a sua reorganização pela venda de parte dos territórios do ultramar retirando dela vantagens económicas ( por exemplo, a venda das colónias além cabo, Goa e mais tarde Guiné como defendida António José Seixas em 1861), é relançada por carta de Seixas ao ministro do Ultramar em Novembro de 1866, ganhando maior acuidade em 1868 com a recepção das notícias da derrota da segunda expedição enviada a Moçambique a combater o «rebelde» Bonga (António Vicente da Cruz), senhor do prazo de Massangano, na realidade um micro - Estado independente.
A corrente favorável a recomposição do império não chegou a impor-se no plano político, não existindo qualquer hipótese de venda da parte do império que fosse nesta época ameaçada.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

X

Queda do governo Sá da Bandeira
Em Março de 1859 caía o Governo que Sá da Bandeira fazia parte. Fragilizado, entre várias questões, pela barca Charles et George. O novo ministro do Ultramar, Ferreri, demite e substitui Sá da Bandeira na presidência do Conselho Ultramarino.
Em 1860 o partido «histórico» regressa ao poder mas as «utopias» estavam fora de prazo.
Das novas orientações e mudanças políticas, destaca-se a mais sensível: o da mão-de-obra negra e o seu estatuto, com uma referência especial aos «carregadores» de Angola. Em 9 de Novembro de 1861, é feita consulta ao Conselho Ultramarino, na qual se fazia crítica expressa do decreto 1856 (que proibia o serviço forçado) por este servir de «estorvo à civilização, e ao progressivo melhoramento da África Portuguesa». O texto do actual Conselho tomava como boa toda a argumentação em defesa do trabalho forçado, vendo nele o único meio de vencer «as influências do clima, e os hábitos tradicionais de ociosidade» comuns naquelas «terras inóspitas», de forma a «trazer os seus habitantes às condições gerais do género humano». A consulta recomendava que fossem dadas novas instruções sobre a matéria e remetidas ao governador de Angola, instando igualmente a que se libertasse de todas as peias o transporte de escravos ou libertos para São Tomé e Príncipe, até então restringido pela «errónea inteligência» que em Portugal se vinha dando ao tratado luso-britânico de 1842 para a abolição do comércio negreiro. Nenhumas destas recomendações foi expressamente aceite pelo governo de Lisboa mas a política em Angola deu-lhe ampla satisfação.
Outros projectos da política de Sá da Bandeira foram igualmente abandonados, como a perspectiva expansionista em relação ao território angolano. Estão neste caso os dissabores surgidos com as ocupações de Ambriz e do Bembe e, em menor medida os planaltos do Sul de Angola. Em 1860, segundo instruções do governador Carlos Franco, foi determinado que se suspendessem todas as iniciativas anexionistas por falta de meios para as sustentar. Em Angola vai-se mais longe, propondo-se o abandono de posições recentemente ocupadas no interior e a concentração de esforços no litoral, culminando com a retirada, em 1873, da zona dos Dembos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

IX

Integração política
A par da integração política, condicionada a prazo, Sá da Bandeira dava ainda grande importância à inserção da população «indígena» na economia de mercado, a obter por meios «suaves e indirectos», designadamente através do imposto, que, obrigando a procurar moeda, faria crescer tanto a oferta voluntária de trabalho como a produção de géneros agrícolas com destino ao mercado. Enquanto os meios coercivos, além de inconstitucionais, seriam também antieconómicos, dando origem a um trabalho de menor rentabilidade e provocando a fuga em massa da população.
Em meados de oitocentos, Sá da Bandeira não estava inteiramente só na perspectiva atrás referida, de cariz marcadamente etnocêntrica mas não racista. Os apoios eram no entanto minoritários. No Parlamento, as propostas antiesclavagistas encontravam sempre fortes resistências e os apoios eram por isso minoritários. O tom dominante era contrário à linha integracionista do ministro. As «correspondências» provenientes das colónias, particularmente de Angola, pintavam um quadro negro a respeito da situação criada pelas reformas impostas do governo de Lisboa, sobretudo do decreto que determinava a abolição do serviço forçado de «carregadores» - acusado de paralisar o transporte de produtos do sertão para Luanda e, o que era pior, de ter fomentado na população negra o espírito de desobediência e de insubordinação. Como se escrevia no Jornal do Comércio de 31 de Março de 1858 «Os pretos carregadores, libertos pelo decreto de 3 de Novembro de 1856, além de se prestarem às cargas com grande dificuldade, e por grande pagamento, têm dado em ladrões das mercadorias que lhes são entregues pelos feirantes do sertão!». E acrescentava-se: «mas o que espanta e desespera aos homens de bom senso, é ver como o Sr. Sá da Bandeira trabalha incessantemente a favor dos pretos desta colónia, deixando os brancos seus habitantes e o comércio, abandonados (…). Em Portugal, e nesta colónia, os súbditos do rei de Portugal, estão sujeitos a serem soldados, marinheiros, jurados, cabos de polícia, etc; porém o «cidadão preto», nascido vassalo de Portugal, e criado nas florestas que conquistaram os nossos avós, é declarado livre para continuar na sua barbaria e para roubar os brancos impunemente, que lhe entregam os seus haveres».
Com raras excepções, os textos das «correspondências», em finais da década de 1850, vindos de regiões tão longínquas de África eram tidos como verídicos. Estes atacavam Sá da Bandeira, acusando-o de utópico e de sentimentalista o que o teria levado a legislar sem ter em conta o estado selvagem dos povos africanos. De um modo geral havia fortes sectores ligados ao mercantilismo ultramarino. António José Seixas, antigo negreiro confesso, estabelece-se com grande fortuna em Lisboa, por volta de 1850, e é tido nas décadas seguintes como o maior perito português em questões coloniais. É ele que toca a rebate contra os que tomavam um «interesse burlesco pela liberdade do preto selvagem»; a «escola» devia ser combatida com todas as forças» exigindo-se leis tendentes a «punirem os vícios (…) característicos nos pretos nossos súbditos de Angola.
Acerca dos «vícios» e dos «pretos», havia também uma corrente de autores que, recorrentemente, se referia a perversidade inata, provavelmente irremediável, da raça negra e naturalmente propensa a selvajaria e à barbárie. No jornal do Comércio de 17 de Abril de 1858, escrevia-se sobre o «povo» negro: «que se pode esperar dum povo ignorante, vicioso, vadio, e dividido? Para verdadeiramente o caracterizar é necessário colocá-lo no último degrau da escala social (…). Preguiçoso por índole e por influência climatérica, dado a embriaguez e à sensualidade, supersticioso, estúpido, vagabundo, sem crenças nem religião é um povo desgraçado.
O tema trabalho como meio de formação do «homem civilizado» tinha já uma longa tradição no século XIX. No entanto, tal teoria ou argumentação manipuladora - em defesa da escravatura e do trabalho forçado - em meados de oitocentos era largamente aceite. Aqui a ideologia liga-se de tal forma aos interesses materiais que se torna transparente. A sua manipulação pretendia ir ainda mais longe a pretexto do decreto de 1856 que abolia o serviço de carregadores. Tinha em vista impor um regime que consagrasse a inferioridade legal da população negra, separando-a em definitivo do corpo da nação, contra as «utopias» integracionistas de Sá da Bandeira.
Tal ideologia teve larga difusão na imprensa portuguesa e nas elites da época bem dos políticos, independetemente da matiz partidária. Por exemplo, Rodrigues Sampaio, na «Revolução de Setembro», tomava como «verdadeiro axioma» que a raça negra deixada à sua liberdade não trabalha; fazia crítica acerba dos «estadistas filantropos», pedindo para África «leis apropriadas às suas circunstâncias»

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

VIII
Crise Angola e debate sobre o império
A crise de Angola provoca um debate generalizado sobre a situação do império em que se colocam duas concepções de fundo sobre o lugar das colónias portuguesas: A concepção de Sá da Bandeira, implícita em toda a sua actividade e explicitada no fundamental em vários documentos oficiais e depois no livro O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial (1873), que tinha os territórios ultramarinos como parte integrante do todo nacional e os seus habitantes como cidadãos portugueses, gozando por isso de todos os direitos e garantias estatuídas na Carta Constitucional de 1826. Com base nos seus artigos 7º e 145º (respectivamente Cidadãos Portugueses e a Inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos), repetidamente invocados se justificava tanto a abolição do tráfico de escravos e a própria escravatura como a extinção do serviço de «carregadores». Em presença de tais disposições constitucionais, concluía Sá da Bandeira ser positivo que os habitantes portugueses das províncias da África, da Ásia e da Oceânia, sem diferença de raça, de cor ou de religião, tivessem direitos iguais àqueles de que gozam os portugueses da Europa (1873). Os fundamentos desta concepção e o seu apoio constitucional conduziriam, no limite, a aplicação no ultramar das instituições políticas europeias, ou seja: a representação em Cortes por deputados eleitos, o regime municipal, tribunais com júris populares, imprensa livre. Esta forma de assimilação pura, aparentemente defendida por Sá da Bandeira era recusada sobretudo por não se ter em conta as diferenças culturais entre povos e raças, nivelando-se tudo em nome de uma teoria abstracta e uniformizadora. Só que, tais diferenças não eram apagadas por Sá da Bandeira, antes, pelo contrário, pressupunha-as, dando como adquirido a superioridade da civilização europeia, tomada como única e ideia vulgarizada no século XIX. Porém, esse atraso africano era atribuído, não a qualquer qualidade intrínseca da raça negra, a uma inferioridade inata e irremediável, mas a condições históricas acidentais, sendo por isso superável. A prova de que as «raças africanas» seriam «susceptíveis de receberem a civilização europeia» estaria precisamente nas colónias portuguesas, onde tinham existido e existiam ainda «pessoas de cores, tão civilizadas como os brancos que nelas habita. Por outro lado, Portugal, possuidor de «vastos territórios» em África, durante séculos, explorados da maneira mais infausta e opressiva (…), teria o dever moral de procurar difundir os benefícios da civilização europeia entre os povos que os habitam. Benefícios chamados pelos direitos inscritos na Carta. Mas, dela não decorriam a imediata extensão ao ultramar das instituições políticas. Na perspectiva de Sá da Bandeira, a tutela a exercer só seria possível pela aplicação de legislação especial que restringisse os direitos políticos dos «indígenas», de modo a evitar «as paixões e o antagonismo de raças» e a preservar o domínio português. O regime não se compatibilizava com o sistema da Carta Constitucional que distinguia entre cidadãos activos e passivos – a esmagadora maioria da população «indígena», que gozaria de direitos civis mas não de direitos políticos. A talhe de foice, se dirá também dos portugueses europeus que fossem “criados de servir” ou “cidadãos que não tivessem um renda líquida anual de cem mil réis, por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”, estavam excluídos de votar nos termos do artigo 65º da Carta.

domingo, 21 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

VII

O império e a imprensa portuguesa

O tratamento do tema imperial na imprensa portuguesa, durante o período da Regeneração, era assegurado, em primeiro lugar pelas chamadas «correspondências», provenientes das colónias, geralmente da autoria de altos funcionários ou de oficiais da marinha e do exército, em comissão, que escreviam também artigos relacionados com o Ultramar. Frequentemente, o debate generalizava-se, envolvendo nomes sonantes do jornalismo e da política nacionais, sempre que se debatia pontos de vista ideológicos ou interesses de ordem económica. Aconteceu, por exemplo, em 1854-1855, aquando da discussão da proposta para a entrega de Moçambique a uma companhia, já referido; depois o grave conflito diplomático que surgiu com a França em 1857. Este conflito foi originado pelo apresamento em águas territoriais moçambicanas da barca Charles et George, a 29 de Novembro de 1857, sob a acusação de fazer tráfico de escravos para a ilha de Reunião. Houve a condenação pelo tribunal local e o navio mandado para Lisboa com o seu comandante sob prisão; mas o governo francês exigiu a sua libertação imediata bem como o pagamento de uma indemnização e a devolução embarcação, argumentado que: no momento da sua captura ela transportava não escravos mas “trabalhadores contratados” com autorização das autoridades portuguesas. Era uma defesa ou contestação disfarçada do comércio negreiro, a condução de «contratados» para a citada Ilha da Reunião, que contara com a anuência do governador Carvalho e Meneses, contrariando as ordens da metrópole, tendo sido substituído em Setembro de 1857 por J. Tavares de Almeida que deu início a execução, apanhando a barca de surpresa.
Passividade da Grã-Bretanha e humilhação
Perante a passividade da Grã-Bretanha, o governo de Lisboa, que inicialmente resistira às exigências francesas, acabou por ceder a todas elas, provocando o seu desfecho um sentimento de pesada humilhação nacional.
Do ponto de vista colonial, a crise da barca Charles et George contribuiu para o enfraquecimento das posições de Sá da Bandeira com o fundamento na ausência da estrita observância do tratado britânico de 1842 e na cooperação com a Grã-Bretanha. Face a sucedido, não faltaram vozes a exigir abertamente o seu abandono de forma a permitir a livre exportação de mão-de-obra da Angola para São Tomé, até aquele momento bastante condicionada. Também já nesta altura a política de Sá da Bandeira era atacada noutros planos: era-lhe, particularmente assacado a desorganização do comércio interno de Angola, na linha de Luanda a Cassanje, em consequência da abolição do serviço forçado de «carregadores». As acusações sobem de grau em 1860 com as notícias que foram chegadas a Lisboa sobre a dificuldade das tropas portuguesas instaladas em Ambriz e no Congo; do incidente militar que resultara a morte do capitão Militão de Gusmão, perto de São Salvador; a derrota do próprio governador no Quicembo (perto de Ambriz); do desastre de uma coluna ao passar o rio Loje e também a Sul, a «guerra do Nano» na vertente do planalto oeste da serra da Chela.
Os rumores e boatos vários, trazidos de Angola pelas «correspondências», por vezes conscientes, criam um alarme geral. Dá-se Luanda como cercada por um «gentio imenso» (Jornal do Comércio de 02-05-1860) e mesmo dividida pelos «pretos insurgentes» (Jornal do Porto de 04-06-1860) e os portugueses que restavam disputando «palmo a palmo», o terreno português às imensas coortes de pretos selvagens sequiosos do roubo e do sangue português. Seguem-se os apelos patrióticos à desforra e à salvaguarda do domínio imperial. Era assim o tom da imprensa do momento: «o governo não deve cruzar os braços em presença dos desaires, que ali se acha sofrendo o bom nome português; medidas o mais que prontas e enérgicas devem ser adoptadas para conservar o que ali nos pertence, para salvaguardar os nossos irmãos que ali se vêm constantemente ameaçados, e impor aos negros o devido respeito para com as nossas autoridades (O Português de 03-05-1860).
À pressa, foi organizada uma expedição militar, sob o comando simbólico do infante D. Luís, cujos contingentes partiram para Angola em Junho de 1860.

sábado, 20 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

VI

Escassez de meios. Propostas de soluções

Face a este dilema, procurava-se como solução (havia vários defensores), a formação de companhias dotadas de poderes majestáticos. Esta era, por exemplo, a ideia defendida pelo Jornal da Associação Industrial Portuense, argumentando que seria impossível ao governo «distribuir para as colónias simultaneamente os parcos recursos de que por ora dispõe». Mas eram grandes as resistências à entrega da administração de qualquer colónia a uma companhia, resistências, de resto expressas na consulta do Conselho Ultramarino de 2 de Outubro de 1853 sobre uma proposta de constituição de uma empresa desse tipo em Moçambique (aliás, no final da década, com António Enes, serão formadas as Companhias do Niassa, Moçambique e Zambézia). A outra questão era os capitais privados. Dificilmente havia quem se dispusesse a investir no campo colonial por considerar de alto risco, sem garantias e privilégios exorbitantes. Acrescia ainda (citando Valentim Alexandre, obra que venho acompanhando) a muito generalizada relutância em investir em acções - «causa fatal do nosso atraso», segundo opinava um texto da Associação Comercial de Lisboa. A União Mercantil, constituída em 1858 e fortemente impulsionada e subsidiada pelo governo, entra em crise financeira dois anos depois. Para isso, terá contribuído a má qualidade dos navios usados e comprados por preços excessivos. A esse propósito, eis o relato de um artigo de Andrade Corvo publicado em 1861, no Jornal do Comércio sobre a União Mercantil, que a analisou em vários artigos: «o influxo nefasto que pesa sobre as nossas coisas», não por simples infelicidade, mas «por efeito do pouco conhecimento de negócios, de pouca grandeza de alma, e de excessiva cobiça de ganhar depressa e muito, empregando pouco capital e fazendo poucos esforços de vontade e de inteligência», que se faziam sentir tanto entre os estadistas como na maioria dos industriais.
Num quadro destes e no plano imperial, aponta-se a Sá da Bandeira certo cariz voluntarista. No campo político, a expressão dos mitos do «Eldorado» e da «herança sagrada», que terão marcado as elites portuguesas. Estas, no plano geral (com raras excepções), apoiavam a reconstituição do império em África. Já as políticas em concreto avançadas por Sá da Bandeira suscitavam forte oposição, muito em particular no que dizia respeito à abolição da escravatura e do trabalho forçado.
No plano imperial, também é tido como voluntarista na sua relação com a situação vivida nas próprias colónias em que se contrapunha as forças dominantes, incluindo o próprio aparelho do Estado, como já acontecera nos finais dos anos trinta. O encerramento efectivo do mercado brasileiro à importação de mão-de-obra escrava, desde 1851, alteraria significativamente o quadro económico das possessões portuguesas em África, abrindo um maior espaço de manobra à política defendida por Sá da Bandeira. No entanto, o comércio negreiro subsistia, ainda com números mais reduzidos, tendo agora Cuba como principal destino, continuando a absorver energias e capitais; as velhas estruturas mantinham-se e resistiam às orientações do poder central, não poucas vezes, com a cumplicidade dos próprios governadores: Em Moçambique, a legislação e as ordens vindas de Lisboa foram simplesmente ignoradas durante quase toda a década de cinquenta, enquanto em Angola o governador Coelho do Amaral se opunha tenazmente ao decreto de abolição do trabalho forçado dos «carregadores».