domingo, 5 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XIV

Política de abertura
A política de abertura do império ao exterior tinha um destinatário privilegiado que era a Grã-Bretanha. Ultrapassado o conflito acerca do tráfico de escravos e a promulgação de pautas menos proteccionistas, estaria reunidas as condições para funcionar a velha aliança também em África, como a cooperação em projectos comuns, caminhos-de-ferro, e sobretudo na fixação das fronteiras coloniais. Neste aspecto, Andrade Corvo via harmonia e não contradição de interesses entre os dois países, desde que Portugal, como recomendava a prudência, não fosse além da margem esquerda do Zaire, a norte de Angola (contrariando a corrente dominante, que reclamava o Baixo Congo), desistindo de unir Angola e Moçambique. Além disso e no que toca as reivindicações territoriais deveriam ainda ter em conta outro factor: as relações com os próprios povos africanos. Diferentemente de Sá da Bandeira, Andrade Corvo recusava a expansão por via militar; aceitava o aumento da influência portuguesa em África «por meios pacíficos, pela acção natural e própria da civilização», ganhando «as vontades das populações indígenas», sem provocar conflitos nem provocar ódios». Em qualquer caso seria sempre indispensável «caminhar com a máxima prudência, e saber parar a tempo», não excedendo nunca «os limites do trabalho e do capital» que estivessem disponíveis e tendo em conta as «faculdades produtivas das populações e dos territórios» que se ocupassem, sem o que, caminharia para a ruína. Esta forma de integração – e não de conquista - far-se-ia preferencialmente por aliança com os «chefes indígenas», que deveriam manter o poder tradicional em tudo que não fosse «de encontro aos princípios essenciais da civilização», concedendo-lhes o governo uma investidura e um «pensão módica». Preservar-se-ia, assim, as instituições africanas numa base de vida democrática em que o soba (ou régulo), com os seus macotas, formaria o corpo municipal no sertão; por sua vez, o «exército das liberdades municipais» ensinaria os povos a «exercer os seus direitos políticos, a governar-se, a compreender a sua responsabilidade, a contribuir para o governo e o progresso da província, e a buscar no parlamento da nação uma representação que satisfaça as suas aspirações e cuide dos seus interesses». Deste modo, o «ensino da civilização» caminharia a par dos «hábitos de liberdade», tendo como ponto de partida «o espírito e hábitos essencialmente democráticos» dos negros: educando-os e não «cerceando direitos há largos anos concedidos (Corvo, 1885:III, 387-399).
Andrade Corvo e concepções dominantes
As ideias de Andrade Corvo contrastavam com as concepções dominantes em Portugal. Ligada a perspectiva defendida por Corvo estava uma teoria racial que fazia já apelo ao darwinismo mas de um modo que acentuava os efeitos da solidariedade social impostos pela própria marcha da «civilização» - contra a «luta pela vida» pura e simples – e que recusava a hierarquização das raças com base em critérios de ordem biológica. Ao evolucionismo, Andrade Corvo ia sobretudo buscar argumentos contra a existência de uma «pluralidade de espécies no homem»: na verdade, não existiria senão um único «tipo humano», não sendo as suas diversas formas mais do que o resultado da sua «adaptação lenta (…) às circunstâncias do clima e dos meios em toda a sua extensão consideradas» - pelo que nada autorizava a estabelecer «divisões» em que se quisesse «achar a superioridade absoluta de uns, à custa da inferioridade absoluta e irremissível de outros». Todavia, certas raças africanas pareciam condenadas a extinguir-se, como inferiores, em resultado da lei da selecção natural; mas esse seria o resultado de uma «degenerescência» provocada pelo clima e pelo meio, que afectaria sobretudo «o negro da costa e das terras pantanosas», não tocando «as raças mais robustas e mais perfeitas, de formas e faculdades, que povoam o largo continente». Deste modo, a grande maioria da população negra eram sem dúvida «susceptíveis de progresso», encontrando-se nelas «disposições para ter os mais elevados sentimentos e modificar os seus usos». Só que essa evolução teria de ser lenta, tendo em conta o «estado rudimentar» das «funções» e «vida intelectual do negro ainda atrofiadas na fase em que se encontrava» (…). Tudo dependia do caminho que doravante seguisse a «propaganda civilizadora», até então prejudicada pelo «orgulho» com que o branco procurava fazer sentir a sua «superioridade de raça», pela «cobiça dos traficantes de escravos» e pela «ambição da conquista».

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