XVII
Inquietações dos escravistas acerca da caducidade do direito aos serviços dos ex-escravos
Naquela perspectiva, havia um ponto perturbador no decreto (de 25-02-1869) que era o de fazer caducar o direito aos serviços dos ex-escravos a 29 de Abril de 1878. Mas Sá da Bandeira (em 29 de Agosto de 1870, na efémera chefia do governo) veio de novo a chamar a atenção – com a inquietação dos escravistas ao esclarecer que em 1878 cessariam, não apenas a obrigação de servir dos escravos emancipados em 1869, mas os serviços de todos os «libertos», pondo-se termo ao trabalho forçado no ultramar português (Portaria Circular de 25 de Outubro de 1870). Em resposta, o sector escravista passaram à ofensiva, iniciando uma campanha que visava garantir a permanência para além do ano de 1878 das coerções sobre a mão-de-obra negra. A Associação Comercial de Lisboa, principal ponto institucional de apoio, constituiu uma comissão encarregada de estudar a questão do trabalho em África, fazendo parte dela, entre outros, António José de Seixas, Francisco Chamiço (fundador e administrador do Banco Nacional Ultramarino) e J. da Costa Pedreira (proprietário em São Tomé). O projecto de «representação» aos poderes públicos por aquela Associação (aprovado em assembleia geral a 27 de Maio de 1872), será a principal arma de guerra ideológica contra os propósitos abolicionistas.
Na comissão da Associação Comercial de Lisboa havia duas correntes. Uma que aceitava o estatuto do «liberto» em 1878, indo ao ponto de aceitar a antecipação da data, desde que previamente se promulgasse o regulamentos que garantissem a obrigação de trabalho do negro e leis penais de repressão da «vadiagem», atalhando, desta foram, a natural tendência da raça preta para a indolência e o vício. Esta era a opinião de Chamiço que acabou por prevalecer na representação final apresentada. Os pareceres assinados por Pedreira, Albino Morais e sobretudo o da autoria de Seixas foram bem mais longe. Defendiam a manutenção em vigor do decreto de 14-12-1854, dando cobertura a condição de «liberto» para além de 1878 e ao «resgate» de africanos nos sertões leste de Angola.
A esmagadora maioria dos artigos e «correspondências» provenientes de África defendiam tais posições. Por exemplo, no projecto de regulamento oferecido pelo grande proprietário angolano Alberto da Fonseca e Costa a Associação Comercial de Luanda, como contributo, e que decidira apresentar ao governo sobre a questão do trabalho, se toma como base a obrigação do «preto importado» servir por dez anos a quem o «resgatasse», a título de «aprendizagem», sendo no entanto lícito a venda dos seus serviços.
O recurso à via da repressão da «vadiagem» transformava a questão do trabalho forçado numa campanha conducente a discriminação da população negra no seu conjunto, a pretexto da «indolência» e da consequente necessidade de a obrigar a «civilizar-se» e a contribuir para o progresso geral.
Contra o fogo dos escravistas reagiam algumas vozes minoritárias. Era o caso do jornalista angolano João de Fontes Pereira. De Moçambique, vinham as opiniões de Diocleciano das Neves (célebre caçador de elefantes) que, dado a sua experiência sertaneja, desmentia a ideia de que o negro se recusava ao trabalho, fazendo ver que a maior parte das exportações dos territórios angolano e moçambicano era constituída por produtos cultivados ou apanhados pelos «pretos livres» do interior, que os vendiam ao branco. Admitia porém que esses «pretos livres» se negassem frequentemente a servir mas apenas aos portugueses, que os obrigavam a trabalhar gratuitamente para além de os submeterem a outras prepotências (Jornal do Comércio de 06-11-1871).
Inquietações dos escravistas acerca da caducidade do direito aos serviços dos ex-escravos
Naquela perspectiva, havia um ponto perturbador no decreto (de 25-02-1869) que era o de fazer caducar o direito aos serviços dos ex-escravos a 29 de Abril de 1878. Mas Sá da Bandeira (em 29 de Agosto de 1870, na efémera chefia do governo) veio de novo a chamar a atenção – com a inquietação dos escravistas ao esclarecer que em 1878 cessariam, não apenas a obrigação de servir dos escravos emancipados em 1869, mas os serviços de todos os «libertos», pondo-se termo ao trabalho forçado no ultramar português (Portaria Circular de 25 de Outubro de 1870). Em resposta, o sector escravista passaram à ofensiva, iniciando uma campanha que visava garantir a permanência para além do ano de 1878 das coerções sobre a mão-de-obra negra. A Associação Comercial de Lisboa, principal ponto institucional de apoio, constituiu uma comissão encarregada de estudar a questão do trabalho em África, fazendo parte dela, entre outros, António José de Seixas, Francisco Chamiço (fundador e administrador do Banco Nacional Ultramarino) e J. da Costa Pedreira (proprietário em São Tomé). O projecto de «representação» aos poderes públicos por aquela Associação (aprovado em assembleia geral a 27 de Maio de 1872), será a principal arma de guerra ideológica contra os propósitos abolicionistas.
Na comissão da Associação Comercial de Lisboa havia duas correntes. Uma que aceitava o estatuto do «liberto» em 1878, indo ao ponto de aceitar a antecipação da data, desde que previamente se promulgasse o regulamentos que garantissem a obrigação de trabalho do negro e leis penais de repressão da «vadiagem», atalhando, desta foram, a natural tendência da raça preta para a indolência e o vício. Esta era a opinião de Chamiço que acabou por prevalecer na representação final apresentada. Os pareceres assinados por Pedreira, Albino Morais e sobretudo o da autoria de Seixas foram bem mais longe. Defendiam a manutenção em vigor do decreto de 14-12-1854, dando cobertura a condição de «liberto» para além de 1878 e ao «resgate» de africanos nos sertões leste de Angola.
A esmagadora maioria dos artigos e «correspondências» provenientes de África defendiam tais posições. Por exemplo, no projecto de regulamento oferecido pelo grande proprietário angolano Alberto da Fonseca e Costa a Associação Comercial de Luanda, como contributo, e que decidira apresentar ao governo sobre a questão do trabalho, se toma como base a obrigação do «preto importado» servir por dez anos a quem o «resgatasse», a título de «aprendizagem», sendo no entanto lícito a venda dos seus serviços.
O recurso à via da repressão da «vadiagem» transformava a questão do trabalho forçado numa campanha conducente a discriminação da população negra no seu conjunto, a pretexto da «indolência» e da consequente necessidade de a obrigar a «civilizar-se» e a contribuir para o progresso geral.
Contra o fogo dos escravistas reagiam algumas vozes minoritárias. Era o caso do jornalista angolano João de Fontes Pereira. De Moçambique, vinham as opiniões de Diocleciano das Neves (célebre caçador de elefantes) que, dado a sua experiência sertaneja, desmentia a ideia de que o negro se recusava ao trabalho, fazendo ver que a maior parte das exportações dos territórios angolano e moçambicano era constituída por produtos cultivados ou apanhados pelos «pretos livres» do interior, que os vendiam ao branco. Admitia porém que esses «pretos livres» se negassem frequentemente a servir mas apenas aos portugueses, que os obrigavam a trabalhar gratuitamente para além de os submeterem a outras prepotências (Jornal do Comércio de 06-11-1871).
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