sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pascoal Rodrigues, os Fuzileiros e a postura.

Não passava na revista!

Tive há pouco notícias de um amigo - Comandante Pascoal Rodrigues -, que, dentro daquela postura e exigência que nós (menos modernos) conhecemos em relação aos fuzileiros, não deixou passar em claro! Trata-se de uma observação oportuna sobre uma foto de Fuzileiros em revista. Não preciso de dizer mais nada… A foto e texto publicados dizem tudo. A foto, porque enquanto imagem, revela o momento, o texto e as palavras porque legitimam a autoridade de quem sabe.
Aqui ficam:
Só como curiosidade envio uma foto que me veio parar às mãos onde está a nossa garbosa Força em revista, mas queria chamar a atenção para a postura dos nossos combatentes.
Peito encolhido e cinturão segurando uma barriga, ainda não existente, mas já reservando lugar para o futuro que daqui a alguns anos será bem saliente. Eu já tenho essa barriga faz algum tempo mas aposto que se estivesse naquela formatura estaria tentando por o peito para fora e disfarçar a barriga.
Talvez seja mania minha !

Pascoal Rodrigues

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Chegada a Lisboa em 30 de Março de 1965. Destroçar


Conforme relato do Lucas - uma memória fantástica -, chegamos à Lisboa na noite de 30 para 31 de Março de 1965. O navio S. Gabriel fundeou no mar da palha à 1 hora e 5 minutos do dia 31. De manhã, fomos transportados de vedeta para a Base do Alfeite.Houve encontros com os familiares e amigos e depois a merecida licença.Com o regresso de férias à Escola de Fuzileiros, inicia-se um novo ciclo na vida de cada um de nós. Tinha chegado o momento de pensar e deitar contas à vida. Pior, de tomar uma decisão. Permanecer na Marinha e nos Fuzileiros ou sair: Passar à disponibilidade. Eram os dois caminhos possíveis. Ficar representaria optar pela carreira militar cuja progressão se faria, em parte, à custa das mobilizações nas três frentes de combate em África. Esta opção envolveria também aceitação de sacrifícios próprios e familiares e os riscos inerentes a vida. Passar à vida civil significava a possibilidade de vir a constituir família e uma maior tranquilidade. No entanto, esta opção de vida significava recomeçar tudo de novo: arranjar trabalho, nas condições que se oferecia de experiência e de habilitações – reduzidas –, não era nada fácil. Enfim, também a escolha civil tinha o seu preço a pagar. Nem todos os camaradas saíram na mesma altura mas podemos dizer que começamos a destroçar a partir do regresso de Angola e a voltar a reunir, na sua maioria, 40 anos depois.



Post Scriptum. Arnaldo Cruz (Quintã) não seguiu viagem!



Já depois do livro “Memorando DFE4” ter sido impresso e distribuído, recebo um telefonema do Arnaldo Cruz (Quintã) a agradecer a sua oferta. Na sequência da conversa, pergunta-me se eu me lembrava do almoço de despedida que fizemos em Luanda antes da nossa partida para Lisboa. Almoço esse em que se sentiu mal (a desmaiar) e foi levado para o Hospital em Luanda onde lá ficou internado cerca de seis meses! O pior de tudo isso é que a família não foi informada do facto! Cada um de nós pode imaginar o que não terá pensado e sofrido a família do Quintã a espera do seu filho, juntamente com os outros familiares, e ele não aparecer … Pessoalmente, senti-me envergonhado por não me ter lembrado desse acontecimento.

Alguns dos camaradas com quem falei também não se lembravam.

Agora, manda a verdade que se diga: A não informação a família foi um esquecimento grave. Aconteceu, paciência!






Arnaldo Cruz (Quintã)

















(Livro não comercializável)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Portugueses do mundo. Saudações especiais



Acompanhantes deste blogue

É agradável saber que o nosso trabalho anda a ser visto e apreciado por alguém. No caso do presente blogue, por visitantes portugueses e, ou, seus descendentes a viver no estrangeiro; para além, claro, dos meus antigos camaradas e amigos. Esta constatação resulta do registo revelado pelo mapa Geovisite. Visitantes de países que falam a nossa língua, como Angola e o Brasil; ou inglês, alemão, francês e espanhol como a Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Canadá e França, México e Uruguaio. É uma honra poder partilhar convosco um pouco da nossa cultura e vivência de épocas antigas e actuais.
Porque essas visitas são importantes, ao nível do estímulo e da imaginação, entendi dar-lhe o merecido destaque. Aproveitando as maravilhas da Internet, envio a todos os meus compatriotas, portugueses ou descendentes, em qualquer parte do Mundo, as minhas saudações especiais.




Bem hajam!



1 .Lisboa antiga (anos 60)


2. Lisboa actual (2008) mas sempre Lisboa!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

FIM DA COMISSÃO E REGRESSO A LISBOA

Por fim, chegou a hora da despedida de Angola e da sua linda cidade. Por incrível que pareça, ainda não havíamos partido do Porto de Luanda e já existia uma pontinha de saudade daquela terra e suas paragens. Saudade essa que só era compensada pelo desejo de regresso à Metrópole e do reencontro com a família e amigos.
Quando embarcamos no navio S. Gabriel tivemos que depositar as armas e este foi um momento de vazio. Uma sensação de estarmos despidos. A arma que nos acompanhou ao longo de dois anos (G-3), e com a qual dormíamos e levávamos connosco a tiracolo, também tivemos que nos separar dela!
A viagem durou cerca de quinze dias e durante esse período fazíamos ainda o nosso serviço de vigilância nocturna, agora sem armas. A marujada a bordo esfregava as mãos de contentes com a possibilidade de contar com mais comida e bebidas. Pensaram que os fuzileiros enjoariam a bordo, comeriam pouco e não bebiam. Mas enganaram-se: Os fuzileiros comiam bem e bebiam melhor: Vinho ou cerveja o que viesse morria... As vezes, em zonas mais revoltas do oceano, as mesas inclinavam-se e os copos e pratos escorregavam de uma ponta a outra da mesa. O que valia é que as mesas já estavam apetrechadas com amparos à sua volta e os talheres eram de alumínio. Foi uma viagem divertida.

Condecorações e louvores

Conforme despacho ministerial, de 25-02-65, foi concedida a medalha Comemorativa das Campanhas do Norte de Angola, com a legenda 1963-64-65 (O.S./1ª série nº 53/16 Mar 65 do C.N.A) e o pessoal do DFE nº 4 teve um louvor colectivo o que parece demonstrar o espírito de grupo.
O Louvor é uma folhinha dactilografada e agrafada a Caderneta Militar na página 11 (Louvores) que reza assim:

Vai regressar brevemente à Metrópole, após dois anos de comissão em Angola o D.F.E. Nº 4.
Esteve atribuído ao Dispositivo Detentor do Zaire e aos Postos de Vigilância do Rio Chiloango e Lagoa de Massabi e participou nas Operações Conjuntas PRIMEIRO FUZO E SEGUNDO FUZO nos rios Cuango e Cugo
Em todas tarefas que lhe foram atribuídas comportou-se o Destacamento com excelente disciplina, entusiasmo, elevado moral e boa preparação nos empenhamentos contra o IN e muito especial nas suas acções nas duas Operações Conjuntas com forças do exército, demonstrou valentia, coragem e espírito ofensivo por forma a prestigiar a Corporação da Armada.
É-me muito grato usar das atribuições que me confere o R.D.M. para louvar os Oficiais, Sargentos e Praças do D.F.E. Nº 4 pela sua conduta exemplar em todas as suas acções na defesa da Província de Angola, de que deram tão relevantes provas ao longo da comissão que agora termina.
Do Livro de Prémios, Louvores e Recompensas do Contra-Almirante Comandante Naval de Angola, de 9/3/65.
Filme sobre algumas imagens da Comissão em Angola:

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (17)

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa

Comandante e líder

As regras militares cumprem-se e não se discutem! A autoridade é legitimada pelo Comando através da lei e regulamentos, cobrindo toda a cadeia hierárquica com as devidas proporções e competências, mais os despachos e ordens de serviço. Nunca vi ou ouvi alguém discuti-las entre nós, muito menos junto das hierarquias… Agora o que havia era forma de interpretar e aplicar esses regulamentos, sobretudo num contexto de guerra. Tão importante ou mais do que a autoridade de um líder, legitimada pelo Comando, é a sua aceitação pelo Grupo com respeito e não com temor reverencial. Como diz um provérbio popular: Os pais ardentes fazem os filhos desobedientes.
Bem, indo ao assunto. Uma das regras na Marinha e nos Fuzileiros eram as praças não poder entrar ou sair à civil dos quartéis. Regra que já conhecíamos desde os tempos da recruta. Contornávamos a regra saindo fardado e levando connosco um saco de roupa à civil para trocar no caminho, às vezes nas matas em Vale de Zebro. Em Luanda, havia um Café na marginal, creio que se chamava Baleisão, onde mudávamos de equipamento. O Comandante Pascoal Rodrigues era respeitador da disciplina mas não perdia tempo com isso… Ponto de honra para ele, sim, era quem estivesse fardado lá fora teria de andar impecavelmente vestido. O resto, éramos fuzileiros especiais devíamo-nos desenrascar…
Ora, este é um caso passado com o Dinis Carrelo, no cinema de Santo António do Zaire a civil, visto pelo Comandante Negrão e que levou à intervenção do Comandante Pascoal Rodrigues. Aqui fica:
Um belo dia, em que estávamos em SAZAIRE, como muitos outros camaradas, eu e o Arlindo Ramos, fomos ao cinema, só que eu ia à civil. Quando estava na bilheteira abeirou-se de nós o comandante Pascoal e disse-me: tira dois bilhetes, para mim e para minha esposa, porque eu não trouxe dinheiro. Tive tanto azar que me tocou um lugar numa fila cheia de oficiais, entre os quais estava o comandante Negrão. Passou por mim e foi-se sentar. Nessa altura eu usava pêra. Quando cheguei ao quartel cortei-a. No outro dia de manhã, como era habitual lá fui eu para a secretaria onde já se encontrava o comandante Pascoal. Depois dos cumprimentos da praxe diz-me: vai falar com o comandante Negrão. Quando entra no gabinete diz-me: ontem estavas no cinema á civil. Eu respondi-lhe: que eu saiba ninguém me mandou identificar, pelo que podia dizer que não. Mas de facto estava. Responde-me ele: por isso vais levar 8 dias de detenção agravada.
Voltei novamente para secretaria e o comandante Pascoal perguntou-me como tinham corrido as coisas, e eu relatei-lhe os factos. Ele levantou-se, foi ter com o comandante Negrão e perguntou-lhe: com que ao autoridade é que ele me castigava ao que o comandante lhe disse: com a autoridade de CADFE (Comandante do Agrupamento de Fuzileiros Especiais). Disse-lhe o comandante Pascoal: isso não te dá autoridade para o castigar. Tu fazes participação da ocorrência e eu como comandante dele é que lhe dou o castigo. Depois veio ter comigo e disse-me: vais ficar detido 8 dias mas isso não vai para a caderneta nem tão pouco te faz qualquer diferença, uma vez que tens sempre que sair todos os dias para ires buscar o correio ou tratar de assuntos referentes ao destacamento. Mas quem não gostou nada da ideia foi o Comandante Negrão que a partir daí nunca mais me viu com bons olhos.

Dinis Carrelo R/T (Faísca)

Fotos:
1 e 2. Dinis Carrelo;
3. Póvoa, Dinis e Arlindo Ramos

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (13)

Operações a leste de Luanda.

Apoio logístico
Acho uma maravilha estas pequenas passagens da nossa vida! Por vezes já não nos recordamos delas, talvez porque ficaram “arrumadas a um canto” para dar lugar a outras ou, simplesmente, porque não memorizamos tudo da mesma maneira. Recebi do nosso camarada Dinis Carrelo (Radiotelegrafista FZE/Faísca) uma descrição da nossa incursão a leste de Luanda. Aqui fica para partilhar convosco:
Álvaro: Ao recordar operações leste,. veio-me à memória a primeira noite, quando fizemos a primeira paragem, em Carmona. Não nos foi dado apoio logístico pelo exército e viemos para o meio da cidade. Até parece que estou a ver as senhoras nas varandas dos prédios admiradas de nos verem desenrolar as macas para dormirmos. Outra curiosidade foi quando pernoitamos em Sanza Pombo: Havia recolher obrigatório e não se via ninguém na rua.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (14)

Episódios soltos

O capítulo III do Livro Memorando é dedicado aos episódios soltos. Na ocasião em que o livro foi escrito narrava-se aqueles que eu conhecia e me transmitiam à data. Agora, com a sua reprodução no blogue, tem havido uma maior participação. Ainda bem, porque é isso mesmo que se pretende. Todavia, como o livro já estava impresso, insiro estas histórias à margem do livro com uma numeração.
O episódio que vem a seguir, e os respectivos títulos, é contado pelo José Alves (Pacaça), com a colaboração do José Lucas (Muxagata) :
HISTÓRIAS E FACTOS

(OPERAÇÃO RELÂMPAGO)

Decorria o Ano de 1964 em Angola, quando o DFE4 permaneceu uns dias em Luanda para "descansar", findo os quais regressou à base em Sto António do Zaire.
Ficaram, porém, em Luanda, alguns militares para se tratar de algumas mazelas existentes no cavername devido à corrosão provocada pela cerveja. As avarias verificadas em alguns vasos de guerra, reduziam a sua operacionalidade, pelo que tiveram que subir ao nível do plano de reparação, tais como: Alves, Lucas, Cruz, Mourato e outros já apagados na memória, devido ao calcário.
Ficamos nos Estaleiros da Radionaval em Belas. As reparações eram efectuadas no Hospital Militar, ou em consultórios particulares a quem a Marinha pagava, pois as avarias eram p
rovenientes das condições, por vezes adversas, a que os Fuzos Especiais eram submetidos.
Vamos aos factos que me levaram a tirar do baú das memórias, algumas passagens da minha juventude. Determinado dia, o Alves, após mais uma noitada daquelas por nós tão apreciadas, chegou a bordo da Radionaval e disse:
Eh lá, esta noite a Russa, como era conhecida (uma prostituta) residente no "Bordel do 4 do Bamby" no centro da cidade, puxou de um machado para me agredir; só não o tendo conseguido, devido à minha reacção. No vigor dos vinte anos, e o orgulho na "boina azul-ferrete," planeou-se ao pormenor, executar, pela calada da noite, um golpe de mão ao bordel, para meter na ordem as prostitutas e chulos.
Éramos seis vigorosos FUZOS ESPECIAIS, que num ápice, deixamos o BORDEL virado do avesso.
Fizemos a retirada, sem dar ao inimigo margem para reacção e reencontramo-nos numa esplanada a cerca de 100
metros. Não ficamos todos juntos, mas dispersos em várias mesas, para dissuadir o inimigo.
Passados alguns minutos, chegaram ao local, onde se havia efectuado o assalto, três viaturas da Policia Militar e um jipe com uma ronda da Marinha.
Chegaram tarde de mais para assistir ao espectáculo, que até tinha sido abrilhantado, com o lançamento de "Very Lights".
Os factos supra descritos, são narrados na sua versão original, por um "Fuzileiro Especial" que participou na operação, que dava pelo nome de:


"ORDEM NO BORDEL DO 4 DO BAMBY".
Fotos:
1- Alves (Pacaça)
2- Lucas ( Muxagata)
3- Cruz ( Moço de Quelfes)
4- Mourato ( Montalvão)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (15)

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa


O Ginásio e luvas de boxe

O episódio passou-se na Escola de Fuzileiros de Vale de Zebro, em 1962, na recruta, e é contado pelo Agostinho Maduro. A figura principal acabou por ser o oficial Pascoal Rodrigues. Vamos ao episódio que tem uma introdução antes de chegar lá…
Como é sabido - escreve o Agostinho -, quando alguém conta uma história faz logo lembrar outra. Depois do nosso juramento de bandeira fomos fazer o curso do ITE (Instrução Técnica Elementar); e como dizem, na Marinha, a antiguidade é um posto! - Foram então formados pelotões e cada um desses pelotões tinha um chefe cuja nomeação correspondia ao número de ordem mais baixo no pelotão. A mim tocou-me ser chefe de um desses pelotões e o Mourato (16268), chefe de outro.
Certa ocasião, o pelotão do Mourato tinha uma aula de ginástica mas não havia instrutor disponível; então deram-lhe umas bolas e disseram-lhe: vais com o teu pelotão jogar futebol… ao chegaram ao local, alguns escolas, talvez por não reconheceram autoridade ao “instrutor substituto, Mourato”, disseram-lhe que não gostavam de bola e aproveitaram para descansar! Conclusão. Chegou o oficial e perguntou quem era o chefe do pelotão. O Mourato respondeu que era ele e o oficial mandou-o apresentar-se no seu gabinete. Apanhou 4 guardas de castigo. Conto tudo isto para dar sentido à minha história.
" Uma manhã, vejo na escala que tínhamos aula de português e levei o pelotão para a sala de aula que era num prefabricado aonde havia outras aulas em andamento… Enquanto nós esperávamos pelo instrutor, a malta começa a fazer barulho e havia dois escolas, em especial, que estavam mesmo pegados! Como já tinha havido dois avisos da aula do lado de que eu ia “pagar as favas”, à terceira não me contive: fui ao oficial de serviço.
Quando chego ao gabinete, quem estava lá (?) era o oficial Pascoal Rodrigues. Fiz a minha queixa, e ele responde-me: diz-lhes que se apresentem ao oficial de serviço depois do jantar. No regresso à aula já estava arrependido a pensar qual seria o castigo! Disse aos culpados (prevaricadores) o que deviam de fazer depois do jantar e eles ficaram um pouco apreensíveis, mas que remédio, o mal estava feito… Depois do jantar não me contive, segui-os à distância, vejo-os seguirem o Pascoal Rodrigues para o ginásio e fecharam-se lá dentro; mas por uma janela eu vi o efeito. Calçaram luvas de boxes entraram num dos ringues! A principio não queriam, mas engataram à porrada um no outro, por uns 10 ou 15 minutos, que dava gosto ver! No fim, o Pascoal Rodrigues fez com que eles se dessem um aperto de mão e disse-lhes; para a próxima, vêem ter comigo que eu arranjo tudo para que se entendam, e lá os deixou ir. Era esta a filosofia deste grande Homem e grande Oficial Fuzileiro.
Concordo Agostinho. E todos nós aprendemos muito com o Comandante. Já agora aproveito para contar o que se passou comigo, muitos anos mais tarde, na actividade profissional, com certeza reflexo desses ensinamentos. Aqui vai a história:


Era eu Chefe de Divisão de Consulta Jurídica no Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e tinha uma equipa de técnicos a trabalhar comigo. O Pessoal dirigente (Director de Serviços e Chefe de Divisão) tinha lugar reservado no parque do edifício para arrumar as viaturas. Os restantes lugares eram preenchidos à medida que o pessoal chegava e os últimos já não tinham lugares vagos. Acontece que o meu amigo Eduardo, técnico e advogado competente – muito refilão, diga-se de passagem – contestava essa medida (lugares reservados para dirigentes). Por muito que eu lhe transmitisse o meu ponto de vista, que tal medida tinha sido tomada por uma deliberação do Conselho Directivo etc., dizia-me sempre que tal medida era ilegal e que iria impugná-la judicialmente, se necessário fosse… E acrescentou mais: se um dia ele chegasse ao serviço e encontrasse o meu lugar desocupado era nele que arrumaria o seu carro. Assim aconteceu. Certo dia quando cheguei ao serviço tinha o meu lugar ocupado com a viatura do Eduardo, não obstante haver mais lugares livres… Não gostei da “provocação” e arrumei o meu carro atrás do dele a tapar-lhe a saída. Sabia que à tardinha, depois do emprego, ele ia para o escritório advogar e precisava de levar o carro consigo. Aguardei o tempo suficiente. Havia de vir ao meu Gabinete... Lá para as tantas, bate-me à porta e perante a minha afirmativa do sim, entra. Digo-lhe logo de chofre: Dr. Eduardo, só há duas formas de resolvermos este problema: ou por via institucional (participação, processo…) ou vamos para um Ginásio. Agora escolha! – Eh pá, p…, você ainda é pior do que eu! – Trocámos uma ou duas palavras mais e o assunto ficou resolvido. Mais tarde o Eduardo foi também nomeado Chefe de Divisão e arrumava sempre a sua viatura no lugar reservado. Hoje somos bons amigos.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Capítulo VI

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros vice-versa



A personalidade, moral e disciplina do Comandante.

Pela sua importância e sobretudo para aqueles que não conhecerem o Comandante Pascoal Rodrigues, vale a pena esboçar aqui algumas ideias sobre o seu modo de pensar e agir. São aspectos reveladores do seu carácter, personalidade, disciplina e moral. O assunto veio a propósito de uma troca de correspondência entre nós. Em determinado passo diz o Comandante: discordo quando afirma que se sente indisciplinado. Nunca o foi quando estivemos juntos nos fuzileiros e não acredito que não tenha continuado... pois isso é uma coisa que fica entranhada em nós para sempre. E tinha razão. Prosseguindo:

Fala em dever, obediência e disciplina. Na realidade são todas questões relacionadas. O sentimento do dever nos leva a obedecer (pelos menos enquanto sentimos que está de acordo com a nossa própria moral) e para bem obedecer temos de o fazer com disciplina (a disciplina aceite, não a imposta) pois, principalmente, para trabalhar em grupo, ela se traduz em eficiência uma vez que todos os esforços são dirigidos na mesma direção e com a mesma intensidade. Era o nosso caso. Pelo menos da minha parte sempre procurei que a disciplina por mim exigida fosse, antes de mais aceite por todos. E para chegar a isso às vezes usamos hábitos, maneirismos e principalmente, ações pelo exemplo, dado que para mim este sempre foi dogma indiscutível. Na realidade, sempre tive o cuidado de nunca mandar os outros fazer coisas que eu próprio não fosse capaz de fazer. Por aqui começa o ensino da disciplina na minha opinião.
É interessantíssima a admissão deste postulado sob dois aspectos. O da sua aplicação prática - já nesse tempo - e o da sua actualidade. Todos se lembram dos exercícios e da sua dureza. Não havia benesses para ninguém! – Todos alinhavam nas provas independentemente do seu posto ou graduação e o Comandante estava lá sempre... A disciplina e obediência era o corolário de toda a nossa actividade e participação. Nesta perspectiva ninguém ficava de fora mas também ninguém se recusava. Não havia argumentos. Logo, a obediência era consentida e todos os esforços ganhavam corpo e direccionavam-se no mesmo sentido. O exemplo era a prova insofismável da razão do argumento:
- Eu também faço!

É também a primeira vez na história da Marinha de Guerra Portuguesa que é criado um Corpo de Fuzileiros, estruturalmente consolidado e genuinamente português. Costuma-se apontar duas datas históricas para justificar a pré-existência dos fuzileiros: O ano de 1621, período do domínio filipino em Portugal, e o ano de 1808 correspondente à invasão napoleónica de Portugal e fuga da Corte Real para o Brasil. Fuga essa que foi acompanhada pela Infantaria da Marinha, fuzileiros, que viria depois dar origem a criação dos Fuzileiros Navais Brasileiros. À primeira vista, e formalmente, admitimos esses factos. Já a sua interpretação é algo duvidosa. Tanto a data de 1621 como a data de 1808 corresponderam a períodos da História em que a soberania portuguesa esteve comprometida senão mesmo perdida. O Terço da Marinha Portuguesa esteve ao serviço soberania espanhola durante sessenta anos e desta fazia parte o território português. A Infantaria que seguiu a Corte para o Brasil esteve ao serviço dos seus representantes mas não lutou ao lado dos portugueses contra as tropas invasoras napoleónicas. Dito de outra maneira: Em nenhum destes casos, se pode dizer, com verdade, que tais forças serviram Portugal. Mais, logo que a maré negra passou, essas forças extinguiram-se.
De facto, a única força que permanece até hoje, e travou uma luta de treze anos nas ex-Colónias Portuguesas de África, em defesa da sua soberania, foi a actual Força de Fuzileiros, concebida pelo Almirante Reboredo e Silva em 1960. Uma força com especialização, designada de Fuzileiros (que deveria ser...), formada por homens dextros, com iniciativa e devidamente instruídos. Essa Força de homens dextros e devidamente instruídos são os Fuzileiros, corporizados originariamente pelo oficial Pascoal Rodrigues. É um nome profundamente ligado à sua história, que se confunde com os fuzileiros, por lhe estar intrinsecamente associado. Daí o título deste capítulo: Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa.






CMDTE Pascoal Rodrigues
Foto de 2005

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Capítulo VI

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa



Formação do DFE4 e nomeação compulsiva.

Em Janeiro de 1963, foi formado o DFE4 para Angola e designado o Tenente Pascoal Rodrigues para o comandar. Ficámos muito orgulhosos com a sua nomeação muito embora nos causasse algum espanto! Estava a ser mobilizado o único oficial com preparação neste ramo de Infantaria da Marinha. Quem, daqui em diante, ministraria os futuros cursos, senão das praças e sargentos pelo menos dos oficiais? Por que razão havia de ser ele o mobilizado e não outros oficiais formados por si? – Essa dúvida e simultaneamente suspeita persistiram sempre. Só agora, ao fim de décadas, se veio a confirmar.
Como já se aludiu, o Comandante Melo Cristino era o Director de Instrução da Escola de Fuzileiros, mas não era fuzileiro e o 1º tenente Maxfredo, Comandante de Batalhão de Instrução, também não: este fez o acompanhamento dos fuzileiros mas não chegou a frequentar curso completo de Instrução de Fuzileiros.

De facto, o único homem com aptidões, formação e experiência comprovada para o exercício das funções de Director de Instrução, na Escola, era mesmo Pascoal Rodrigues. Não só pela formação adquirida em Inglaterra, mas também pela realização de todos os trabalhos preparatórios respeitante a força de fuzileiros - da logística à estratégia - que se seguiram após a conclusão do curso nos «Royal Marines». Trabalhos esses que antecederam em seis meses a instrução e formação do 1º Curso de Fuzileiros.

Como oportunamente o próprio comentou, antes do primeiro curso já tinham sido lançadas as bases de tudo o que foi feito posteriormente pela Escola: a encomenda dos fatos camuflados, a ideia da compra de macacões verdes para uso durante os treinos, a definição das armas que viriam a ser necessárias, as boinas – razão porque passou a ser azuis -, a necessidade de botes de borrachas, o manejo da arma na ordem unida e ainda a razão do nome «Destacamento» e do seu número de efectivos. A própria Instrução do Enfermeiro Peralta Soares no curso de fuzileiros foi uma inovação e um contributo. Enfim, a definição dos objectivos já havia sido discutida e tratado antes do começo da primeira instrução. Para além de tudo isso, e passo a citar, conforme uma carta[1] sua:

A existência de um “espírito de corpo” peculiar aos fuzileiros e a noção de que faziam parte de uma força de elite, com homens de capacidades e habilidades acima do normal, e a necessidade de fomentar a amizade entre camaradas sabendo que a vida de um depende do outro, foram de imediato implantados e essa mentalização muito ajudou a fazer dos Fuzileiros aquilo que demonstraram vir a ser em 14 anos de guerra.

Não parece suscitar dúvidas que a presença do tenente Pascoal Rodrigues na Escola de Fuzileiros era incómoda e a melhor forma de resolver o assunto era nomeá-lo Comandante de uma força de fuzileiros que partisse para África. Essa força, instruída e preparada por ele, viria a ser o DFE4 que seguiu para Angola. O primeiro voo partiu de Lisboa a 9 de Fevereiro de 1963 e nele ia o Comandante do Destacamento e mais nove camaradas. Esta nomeação, dir-se-ia compulsiva de afastamento, terá sido a primeira parte de um sonho seu interrompido.
O oficial Pascoal Rodrigues é um militar de acção. Era importante para ele e os fuzileiros o espírito ofensivo e o envolvimento em acções operacionais de grande intensidade e de curta duração. Isto não veio a acontecer e como o próprio diz, afinal seguiram uma lógica contrária:
Acabei por ser enviado para uma posição defensiva e estática. O nosso Destacamento seguiu para o Zaire (...) foi então desmembrado em grupos colocados em situações que deveriam ter sido guarnecidas por Companhias de Fuzileiros, não por Destacamentos.

Neste cenário de guerrilha, diz o Comandante, são chamados outros oficiais de Marinha para desempenharem funções nessas unidades de fuzileiros sem preparação e até vocação para o efeito. Também eles prefeririam cumprir as suas missões nos navios. Ao constatar este facto, o Comandante do DFE4, reclamou várias vezes e colocou mesmo a questão por escrito mas ela não se alterou. Também, e por convicção sua, insistiu na criação de um Corpo de Fuzileiros para onde as pessoas fossem por vocação e não por obrigação. Igualmente e dentro do espírito época não teve incremento o projecto. Este realiza-se tempos mais tarde. Reconhece hoje Pascoal Rodrigues que apenas estava à frente do seu tempo e que tudo o que havia sonhado desde do tempo de Inglaterra acabou por acontecer. Só não andou tão depressa quanto eu queria. Apenas isso.

O Comandante do DFE4 regressou a Lisboa antes de ter terminado a Comissão, tendo sido substituído pelo seu Imediato, o 2.º tenente Paiva Boléo.[2]

Já em Lisboa, foi nomeado para Instrutor de Infantaria da Escola Naval. Inicialmente, esta nomeação pareceu-lhe natural e interessante pois tratava-se de uma actividade ligada a sua especialidade. Iria transmitir aos cadetes toda a sua experiência e ensinar aquilo que gostava: táctica de infantaria, operações anfíbias, tiro, luta de defesa pessoal, etc.
Esteve cerca de quatro anos na Escola Naval como instrutor. Depois foi nomeado para comandar um navio patrulha «estacionado» na Base Naval que nunca de lá chegou a sair enquanto Pascoal Rodrigues lá esteve. E comenta: Tive a sensação de ter sido jogado numa prateleira. Foi a partir desta altura que começou a pensar em passar a Reserva, conforme o próprio diz:
Não estava saindo dos fuzileiros mas sim da Marinha. Esta vontade resultava de estar vendo um sonho desmoronar. Eu era apenas um oficial de Marinha com especialização em Fuzileiro Especial e a ideia de ser criado um Corpo de Fuzileiros onde eu pudesse ser integrado sempre esteve comigo desde a primeira hora. No entanto uma sucessão de factos me foi levando a frustração.

Numa das passagens da carta, o Comandante Pascoal, ao referir-se ao início da sua carreira na Marinha - Escola Naval - e passagem pelos navios até aos Fuzileiros, diz: Dos fuzileiros, na verdade eu não sei quando saí. Talvez nunca, pois continuo me sentindo um Fuzileiro até hoje, acrescido de um orgulho imenso de ter contribuído para a existência do actual Corpo de Fuzileiros.

O Comandante Pascoal Rodrigues passou a reserva da Marinha em 1969. Não tenho dúvidas de que terá sido para si uma decisão bastante difícil de tomar. Tratava-se de um militar íntegro, experiente e portador de um currículo invejável. Era não só um grande fuzileiro mas também um líder carismático incontestável. Aqueles que o conheceram sabiam-no bem! Ainda me lembro de o ver na instrução com o cronómetro na mão esquerda e o apito de árbitro a controlar os tempos dos exercícios... A sua postura de militar chamava a atenção do pessoal que comentava ser difícil imaginar Pascoal Rodrigues à civil. A farda fazia parte da sua estrutura! Aos seus instruendos e aos fuzileiros era exigido um comportamento militar correcto. Por exemplo, a parada tinha que ser atravessada em marcha ou em passo de corrida. Isto era mesmo assim. Portanto, fortes terão sido as razões que o levaram a passar à reserva da Marinha. Apesar do seu rigor militar, era um gentleman no relacionamento social. Toda o pessoal era tratado com respeito: meus senhores... ou o senhor... isto ou aquilo. São qualidades inatas e educacionais que estão muito acima das vulgaridades e mesquinhezes da má consciência humana.
[1] Cartas do Cmdte Pascoal Rodrigues enviadas ao Carlos Ferreira, datada de 16 Janeiro e de Março de 2007 a propósito da leitura do livro de Luís Sanches de Baêna sobre os Fuzileiros e na sequência da demonstração de estranheza de Carlos Ferreira pelo facto de naquela Obra importante sobre os Fuzileiros não terem sido ouvidos, consultados ou validados, quaisquer depoimentos de Pascoal Rodrigues e, ou dos seus companheiros de Inglaterra.
[2] O DFE4 regressou a Lisboa no S. Gabriel. Partiu a 18 de Março e chegou a Lisboa em 30 de Março de 1965. O Comandante Pascoal Rodrigues lamenta não lhe terem dado notícia desse facto! Não passaria na cabeça de ninguém que não estivesse interessado em ver os camaradas do seu Destacamento e conversar com eles.
Imagens:
1 - 1º desfile do 1º Curso de Fuzileiros que terá dado origem ao DFE1 - Angola (1961-63)
2 - DFE2 - Guiné
3- DFE4, comandado pelo 1º Tenente Pascoal Rodrigues

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Capítulo VI

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros
e vice-versa


Falar sobre o Comandante Pascoal Rodrigues (CPR) é de facto uma grande responsabilidade mas nada dizer é uma grave omissão. Para os camaradas da minha geração OS FUZILEIROS estão indissociavelmente ligados à figura e ao carisma pessoal de Pascoal Rodrigues. Seria inimaginável a existência dos fuzileiros sem ele. A Escola de Fuzileiros nasceu com ele, fez doutrina com ele, ganhou prestígio com ele. Dele se recebeu também a preparação militar e a formação moral e ético-profissional, merecedoras por isso da admiração e o respeito de todos. Como referência, citam-se aqui alguns nomes de oficiais que foram seus instruendos: Heitor Patrício, Metzner, Mendes Barata, Brito e Abreu, Oliveira Rego, Faria de Carvalho, Martins Viegas, Paiva Boléo, Vasconcelos Caeiro... Todos estes oficiais vieram mais tarde a comandar Companhias e Destacamentos de Fuzileiros Especiais em África.
Durante os treze anos de Guerra Colonial houve camaradas que fizeram cinco comissões. Passaram por todos os teatros de guerra e houve até camaradas que fizeram duas comissões na Guiné! Alguns perderam a vida e outros sobreviveram com os seus estados de saúde física e mental diminuídos ou abalados. Os mais antigos, e com maior número de comissões, foram formados fuzileiros por Pascoal Rodrigues e sua equipa. Apesar disso, até hoje, não houve o devido reconhecimento oficial. Os fuzileiros nunca o pediram, muito menos reivindicaram, porque sempre se nortearam por valores superiores: o cumprimento da sua missão ao serviço da Pátria e da Nação. É ao Estado e aos seus representantes – Governo, Presidência da República e Assembleia – a quem compete tomar a iniciativa.
A (re) criação dos fuzileiros deve-se, como sabemos, aos ataques dos guerrilheiros dos movimentos de libertação às antigas Colónias ou Províncias do Ultramar Português.
Do ponto de vista militar e da Marinha havia que acautelar a defesa desses territórios e reforçar as suas Bases Navais e Unidades com os meios materiais e humanos (efectivos) preparados para actuar em terra e no mar. É então que o comodoro e Subchefe do Estado-Maior da Armada, Reboredo e Silva, propõe junto do Chefe do Estado-Maior da Armada (1959/60), a organização de uma pequena força de marinheiros e a constituição de pelotão de atiradores destinados a operação de comandos e desembarques, e a criação de um Centro de Instrução.

A instrução constituiria uma especialização com a designação de fuzileiros, cujos homens deveriam ser dextros, com iniciativa e devidamente instruídos. É assim que, por proposta sua (n.º 104 de Maio/1959) foi sugerido e aceite que um tenente e três praças frequentassem um curso de especialização em Inglaterra: Centre Royal Marines.

Os seleccionados foram: 2.º tenente Pascoal Rodrigues e os marinheiros Ludgero Santos Silva (Piçarra), Mário Claudino (o primeiro de todos num curso frequentado por estrangeiros, incluindo os ingleses...) e João Cândido Santinhos.

O curso teve início a 22 de Agosto e terminou a 30 de Setembro de 1960. Doravante, havia que materializar a formação dessa força: estruturá-la e dar-lhe uma alma própria. É aqui que a acção de Pascoal Rodrigues, juntamente com seus companheiros de curso, faz história. É também neste momento que nasce a Instituição dos Fuzileiros, com o seu ulterior desenvolvimento, prestígio e emancipação com a criação do Corpo de Fuzileiros.
Recordo que até ao 6º Curso de Fuzileiros, todos os fuzileiros foram preparados pelo tenente Pascoal Rodrigues e sua equipa. Todos estes homens viram-no «apertar as sandálias»[1] e aprenderam com ele.
A missão a cumprir era a constituição, com urgência, de uma força operacional e rápida, com poucos efectivos, que actuasse na guerra de África: Essa força seria os Fuzileiros e um dos principais obreiros o oficial Pascoal Rodrigues.

[1] Trata-se de um conto indiano, publicado por Ramiro Calle no livro “ Os melhores Contos Espirituais do Oriente” cuja história é a seguinte: «Dois homens encontravam-se de visita à casa de um mestre, e um perguntou ao outro:
- Vieste, como eu, para ouvir os ensinamentos?
E o outro respondeu:
- Não, para mim é suficiente ver como aperta as sandálias».
O autor tira depois as seguintes conclusões. Não é através das palavras que se conhece um mestre mas, de um modo especial, através das suas acções, mesmo que estas sejam rotineiras e simples. Porque um mestre realizado imprime algo especial à sua maneira de ser e de proceder (...).

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4- Angola 1963-65








Regresso do Comandante
Pascoal Rodrigues à Metrópole
e a sua substituição pelo Imediato Paiva Boléo



O Comandante Pascoal Rodrigues, por razões de saúde e outros do foro particular e pessoal, acabou por ter de regressar à Metrópole antes do termo da comissão. O Comando do Destacamento passou a ser assumido pelo Imediato Paiva Boléo – estilo diferente do seu antecessor, o que até certo ponto é natural, visto tratar-se de duas pessoas diferentes. Por outro lado, a personalidade e o carisma do substituído eram difíceis de igualar por quem quer que fosse. Não obstante esse facto, o tenente Paiva Boléo dedicou-se com todo o empenho ao Comando do DFE4, mantendo a sua unidade e disciplina. Nas operações terrestres capinava-se bastante a pé e rasgavam-se picadas infindáveis à procura do inimigo. Não se acomodava às situações e até chegou mesmo a simular ataques de guerrilheiros aos Postos do Zaire para ver como o pessoal reagia. Formava um grupo de pequenos atacantes, abrigavam-se num lugar estratégico, afastados uns oitocentos metros do alvo e depois disparavam. Uma dessas simulações ocorreu no Posto da Macala cujas reacções foram imediatas e só o recurso às comunicações e a outros subterfúgios colocaram termo ao exercício.



terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Curiosidades fotográficas
Pretende-se com as representações fotográficas aqui inseridas relembrar alguns momentos passados, curiosos e activar a memória para a sua existência. Assim,, podemos ver o camarada Póvoa (ordenança do Imediato Paiva Boléo) de que todos nós gostávamos, brincalhão, gaiato, bem disposto, desenrascado e amigo; o interior da caserna de Macala e o seu posto de vigia distante; o pessoal a lavar roupa; fazendo obras de melhoria de acesso aos postos e tratando da jardinagem em redor; dançando o Twist; posando com o macaco Benfica no Posto de Massabi; navegando de piroga e vestindo à civil... no filme, com som, abaixo:

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (12)

Desporto
A propósito da passagem do livro sobre o tema do Desporto aqui se publica um texto escrito pelo Agostinho Maduro, à época uma das promessas do futebol:



A reportagem a falar em desporto fez-me recordar tantas coisas mas uma delas nunca a podia esquecer: O Patela, pois foi ele que por acidente me partiu o polegar da mão direita que ainda hoje tenho a marca.Fizemos esse jogo no campo do Taritari em Santo António do Zaire, e então o nosso treinador, o sargento Soares, chamou-nos e avisou para que não ligarmos a mais nada nem ninguém, mas para seguir o Patela nem que fosse para o quarto de banho; e virou-se para o Galvão (15517) e disse-lhe: e tu vais marcar o Zé Maria, que era jogador do Leixões ou do Olhanense. É que nesse jogo havia pelo menos 5 ou 6 jogadores que eram, ou tinham sido, jogadores da primeira ou segunda divisão. E olhem que (o resultado) não estava nada mau: estávamos a ganhar por 2-1 (!) e, já na segunda parte, acabamos por perder por 3-2, quando numa disputa de bola entre mim e o Patela. Saltamos os dois á bola mas no embate eu caí ao chão e o Patela ao virar-se pôs o seu calcanhar em cima da minha mão que estava debaixo e já podem imaginar o resultado: saí e fui logo transportado para a enfermaria no CADFÉ, fui engessado e dali a uns dias levado para Luanda para ser tratado no hospital militar onde estive lá umas semanas a fazer fisioterapia. Nessa mesma estadia outra coisa aconteceu que recordo com carinho. Como eu ia todos os dias á fisioterapia encontrava lá muita malta amiga, quando um dia me encontro lá com o Filipe da Cruz 16491 (o moço de Quelfes) que ia tirar uma chapa ao estômago. Estava tomando um café e ele levanta-se, vai ao balcão e vem com um caldo verde e começa a beber o caldo. Quando lhe digo: houve lá, mas tu não vais tirar chapas ao estômago? – Diz-me ele: eu estou cheio de fome e eles não vão dar por isso… quando chegou a sua vez lá foi o Moço de Quelfes tirar as chapas. Ao cabo de dias eu perguntei-lhe: então moço, que disseram as chapas? Responde-me ele: o doutor disse que tinha abundância em líquidos! Não havia de ter!
Agostinho Maduro
Nota: Moço de Quelfes, lembras-te desta passagem contada pelo Agostinho? – Olha lá: ainda vais ao cyber café consultares a Internet e os e-mails ou já tens algum equipamento novo? – Não te esqueças de dares notícias quanto mais não seja teceres alguns comentários, ainda que irónicos, ao nosso blog .
Imagens:
1. Agostinho Maduro, a bola e os camaradas Tony e Alex ao fundo
2. O treinador Sargento Soares
3. A equipa de futebol desfalcada do Agostinho ( O guarda-redes era o Matozinhos DFE3 e a sua frente o falecido (morto em combate) Libânio/16607)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Relações de convivência com
a população local
Foto em baixo. Pessoal no banho com duas crianças divertidas


As imagens da época publicavam, em revista e folhetos de propaganda, fotografias chocantes sobre mortes e chacinas de civis cometidas pelos guerrilheiros da UPA/FNLA, nas fazendas e nos postos Administrativos. Parece um paradoxo, mas convivíamos e relacionávamo-nos bem com a população africana, apesar dos motivos da nossa presença lá e do combate aos movimentos de libertação. Não se pretende com isto dizer que do lado português não tenha havido também actos bárbaros semelhantes. No entanto, e daqui o paradoxo, os fuzileiros em geral, e de uma forma particular o 4º Destacamento, podem-se orgulhar do estabelecimento de uma relação afectiva com a população. Tratava-se de uma relação espontânea que não tinha nada a ver com a guerra psicológica, então em voga, e com os fundamentos do luso-tropicalismo(1). Entre o pessoal, pelo menos as praças, não havia sequer consciência disso. Era um sentimento natural que vinha do interior de cada um de nós, ou mais simplesmente, do coração. Felizmente, alguns camaradas tinham fotos tiradas juntamente com as populações africanas que retratam esses momentos históricos. Algumas delas captaram imagens ternas ou comoventes dessa altura; sobretudo as que envolvem crianças. São imagens que reflectem a nobreza de sentimentos desses camaradas, estampadas na simplicidade do gesto e no olhar cândido e humilde.


A foto mais expressiva. Luciano Caseiro, Júlio Santos, Álvaro Abreu, Graciano Pimenta e Davide com quatro crianças.
(1)O Luso-Tropicalismo era uma teoria inspirada nos estudos do Sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, adoptada por Salazar e defendida por ministros e académicos, como foi o caso de Sarmento Rodrigues e Adriano Moreira, e utilizada como resposta aos ataques do Comunidade Internacional às colónias portuguesas. Os seus fundamentos baseavam-se na miscigenação, fusão cultural e ausência de preconceito racista.



Diniz Carrelo (Faísca) e o Póvoa com ar matreiro

Em baixo: Almada, Mix e população. José Francisco e um africano. A última: Galvão, Álvaro Dionísio, Quelfes e dois ex-presos.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Cultura da amizade e espírito de grupo
Havia todas as razões para sermos amigos e cultivar a amizade. Éramos jovens, estávamos milhares de quilómetros de distância de Portugal, combatíamos todos do mesmo lado, dependíamos uns dos outros para sobreviver. Era, de resto, essa a teoria incutida pelo Comandante Pascoal Rodrigues: a importância da existência e manutenção de um espírito de corpo ou de grupo. Naturalmente, por razões de afinidade, personalidade, localização geográfica, divisão do Destacamento em secções e a sua distribuição pelos Postos, desenvolveram-se laços de amizade mais ou menos fortes em função de algumas dessas variáveis. Todavia, o sentimento dessas amizades nunca excluiu outras; nem se perdeu a identidade do DFE4 ou do seu relacionamento com os camaradas dos outros Destacamentos: do primeiro ao sexto, passando pelo terceiro e quinto. Este foi e é o nosso património afectivo mais valioso de que nos podemos orgulhar! As imagens que se seguem testemunham-no.


Observação. Fiz uma pequena alteração ao publicado no Livro, reuníndo as suas fotografias num só filme. Vejamos:

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Desporto

A parte desportiva não podia faltar. Desde logo, o tema do futebol que - ontem como hoje – era um dos temas preferidos. Os clássicos Benfica e Sporting, acompanhados de perto pelo Futebol Clube do Porto, do Belenenses e até da Académica, eram os clubes que geravam maiores discussões. Havia outras equipas fortes e algumas mais fracas que já não existem hoje. Na margem Sul, o Barreirenses, a CUF e o Lusitano de Évora. Em Lisboa, o Atlético e o Oriental e noutras zonas do centro do país o Torriense e o Caldas. A Norte, para além do célebre dragão, Futebol Clube do Porto, havia ainda Salgueiros e o Leixões. A norte, o Leixões. Creio que o Patela, que cumpria serviço militar no exército, em Santo António do Zaire, fora jogador do Leixões. Nessa qualidade, alinhava pela equipa do Exército contra os fuzileiros, cuja equipa formada pelos fuzos com residência temporária na vila. Por esse motivo, as nossas equipas mudavam muito de jogadores. Não integravam sempre os mesmos jogadores. A rotatividade era frequente e dava lugar a várias equipas, segundo o testemunho fotográfico da época.
Confesso que nunca tive habilidade alguma para jogar futebol; era um desastre… talvez por isso nunca fosse assistir aos jogos da malta. No entanto, gosto de futebol e tenho um simpatia especial pelo Benfica e, claro, pela Selecção Portuguesa. De resto, gostava das outras modalidades do desporto, como por exemplo a natação, o mergulho, os exercícios debaixo e água , o boxe e a luta livre.










O Benfica campeão anos 1963/64/65 e duas Taças Europeias. O Sporting ganhou o campeonato em 1962 e 1966










Equipa do Futebol Clube do Porto em 1958 e à direita a Selecção Portuguesa e do Brasil, anos 60

Quanto a discussão sobre o futebol, esta daria pano para mangas, como se costuma dizer. Naquele tempo não se dispunha da informação e dos meios de que se dispõe hoje. Cada um puxava a conversa para o lado que mais lhe convinha. Quando havia dúvidas perguntava-se ao parceiro que estava perto e que não entrava na contenda. Lembro-me, numa dessas ocasiões alguém perguntar ao nosso camarada Chamusca, que respondia meia hora depois, numa pergunta relacionada dizer:Ah! Pois, o Belenenses!.. Estás a ouvir pá, foi o Belenenses!
A luta livre e os combates de boxes eram igualmente temas apreciados. Não só porque faziam parte da nossa preparação de fuzileiros como havia na época praticantes dessa modalidade na Marinha. Nomes como o de José Luís, Carlos Rocha, Tarzan Taborda, para citar os mais conhecidos. No boxe, e a nível internacional, o famoso Cassis Clay (Muhammad Ali), era o ídolo mais admirado nesta modalidade. Por isso não provocava discussão.







As duas primeiras imagens são de José Luís e a última de Tarzan Taborda.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Música (estrangeira) II
Em França, vivia-se uma época de boas canções. Cantores como Edith Piaff, Gilbert Bécaud, Charles Aznavour, Jacques Brel, Françoise Hardi, Sylvie Vartan (mais novos). Em Itália, Gianni Morandi, Domenico Modugno, Gigliola Cinquetti, Rita Pavone. Os norte- americanos com os famosos Frank Sinatra, Nat King Cole, Ray Charles, Louis Armstrong (Jazz), Pat Boone, Paul Anka, Bob Dylon e Joan Baez.






Edit Piaf, Gilbert Bécaud, Jacques Brel, Charles Aznavour e Frank Sinatra


Dean Martin, Gianni Morandi, Nat King Cole, Ray Charles, Joan Baez e Rita Pavone
Os conjuntos musicais floresceram com o Rock and roll de Elvis Presley. O Twist e Yé-Yé foram movimentos que revolucionaram musicalmente os anos sessenta. Os Platters os Shadwos, os Beatles, os Beach Boys entre outros. Em Portugal: Os Conhas, Vítor Gomes e os Gatos Negros, o Conjunto João Paulo, Os Demónios Negros…






Elvis Presley, Platters e Shadows com Cliff Richard. Victor Gomes e os Gatos Negros
e os Gatos Negros










Duo Ouro Negro












Almada e Conjunto Barreirense e João Reis