quinta-feira, 23 de julho de 2009

De vez em quando a vida

Durante quinze dias vou estar de férias, ausente do contacto com os meus amigos e visitantes deste blog. Pensei que nada melhor para comemorar esta partida para férias do que deixar aqui um poema e uma música. O autor deste lindo poema (e música), De vez em quando a vida -« De vez en cuando la vida» - é Joan Manuel Serrat - e podemos ouvi-la aqui ao lado no You Tube: copiar o título original, colocá-lo no rectângulo e clicar em search. Espero que seja do vosso agrado. Eu gosto muito!



De vez em quando a vida beija nossa boca

e em cores se espalha que nem atlas.

Nos passeia pelas ruas em carroça

e nos sentimos em boas mãos.



Se faz à nossa medida e gruda ao nosso passo

e tira um coelho da velha cartola

e somos como crianças

quando saem da escola.



De vez em quando a vida toma comigo café

e está tão bonita que gosto de vê-la.

Solta o cabelo e me pede

pra sair com ela à cena.



De vez em quando a vida se oferece nua

e nos brinda um sonho tão delicado

que é preciso ter cuidado

pra não quebrar o feitiço.



De vez em quando a vida afina o seu pincel.

Arrepia nossa pele e faltam palavras

prá dizer o que oferece

aos que sabem usá-la.



De vez em quando a vida brinca com a gente

e acordamos sem saber o que se passa

chupando palito, sentados,

acima de uma cabaça.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

II-NACIONALISMO IMPERIAL E A PARTILHA DE ÁFRICA (1875-1891)


África e a opinião pública portuguesa
Os ecos de África, via europeia, influenciam a opinião pública portuguesa. São as notícias das viagens de exploração que se multiplicam por África: Livingstone, Stanley e Cameron, rondavam nas próximas das possessões de Angola e Moçambique. Como reacção a esse impulso externo, de ameaça latente ou pressentida, Portugal fez-se representar no Congresso Internacional de Geografia de Paris, no verão de 1875. Nessa mesma ocasião é fundada a Sociedade Portuguesa de Geografia de Lisboa e a Comissão Permanente de Geografia, cujos objectivos, de acordo com os estatutos, eram os de fazer «o estudo, a discussão, o ensino, as investigações e as explorações científicas de geografia nos seus diversos ramos, princípios, relações, descobertas, progressos e aplicações» com particular incidência nos «factos e documentos relativos à Nação portuguesa» (…). A Comissão Central Permanente era uma instituição oficial, da iniciativa do ministro Andrade Corvo que terá, com José Júlio Rodrigues (delegado ao congresso de Geografia de Paris), anunciado o propósito de fundar em Portugal uma «repartição de geografia e história». A Sociedade de Geografia tem carácter particular e deve-se à vontade de Luciano Cordeiro que, juntamente com Rodrigo Pequito, Cândido de Figueiredo, João Cândido de Morais e Emiliano Betencourt integraram a comissão instaladora. Em 31 de Dezembro de 1875, são aprovados os estatutos.
Ambas as instituições (Comissão Central Permanente – oficial e Sociedade de Geografia, de cariz particular), na sua fase inicial, fixaram como objectivo prioritário a organização de expedições científicas em África.
Por decreto de 11 de Março de 1877, foi determinado a realização de uma expedição de carácter nacional destinada a «explorar, no interesse da ciência e da civilização, os territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique e a estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze».
Se havia unanimidade quanto a urgência da iniciativa da expedição já quanto aos objectivos a divergência era manifesta. Luciano Cordeiro debatia-se pela exploração de África Central: estudo sobre as origens do Zaire e do Zambeze e as relações com os lagos do interior para efectuar a ligação entre Angola e Moçambique. A concepção expansionista do império estava subjacente: a formação de um bloco compacto do litoral angolano à contracosta. Por outro lado, a realização de um feito que ombreasse com as grandes viagens de Stanley e de Cameron. A outra corrente, defendia a concentração de esforços numa área reduzida, limítrofe já sob a soberania de Portugal, visando a obtenção de resultados precisos e concretos, de ordem geográfica e económica. Era a opinião de Júlio Rodrigues na Comissão Permanente, sendo também a tese que melhor se ajustava a política de Andrade Corvo que preferia a consolidação das posições já adquiridas.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

I-NACIONALISMO IMPERIAL E A PARTILHA DE ÁFRICA (1875-1891)

Nas décadas de setenta há o despertar do interesse de várias potências europeias por África e sua partilha. Esse interesse, ao longo do século XIX, levara as sociedades europeias a expandir-se em várias zonas do mundo. Ao que consta, esse movimento terá aumentado a partir de meados da década de cinquenta por influência e pressões externas e acção dos comerciantes, dos exploradores e dos missionários instalados no conjunto do continente negro. São essas formas lentas de penetração em África que, subitamente dão lugar, no último quartel de oitocentos, a uma política deliberada por parte dos diversos estados europeus, visando a rápida constituição de domínios imperiais em África. É isso que marca a época da partilha.
Como se explica esse interesse pelas terras africanas, eis a questão. Há uma corrente que acentua os factores económicos: a procura de novos mercados e de novas fontes de matérias-primas ou ainda uma forma de aplicação de capitais acumulados, dado a crise de pressão económica entre 1873 e 1876. Conforme refere Valentim Alexandre, esta tese, corrente à época, é teorizada por Hobson no seu livro O Imperialismo, Estado Supremo do Capitalismo, onde a expansão colonial de finais do século XIX é atribuída a pressão dos «monopólios». Parece que a apetência por África dos grandes grupos capitalistas não terá sido assim tão categórica dado que o investimento externo no continente negro era insignificante. Os casos do Egipto e da África do Sul, são excepção.
A outra corrente, interpreta o interesse europeu pela partilha como simples extensão a África como um jogo de tensões e rivalidades entre as grandes potências. Jogo esse que a partir dos anos sessenta se agudizara, emergindo a Itália e a Alemanha como nações politicamente unificadas (a vitória da Alemanha na Guerra Franco-Prussiana). Também esta perspectiva parece insuficiente. Será o conjunto de vários factores, todos eles associados ao desenvolvimento do capitalismo no século XIX, como o da penetração externa no interior do continente negro, das comunicações, e da tecnologia militar e os progressos da medicina que influencia esse súbito interesse europeu pela partilha africana, no último quartel de oitocentos. O interesse do Estado Português pelo ultramar não nasce aqui, é anterior, como sabemos. A colonização africana tem o seu início em 1820 (até essa data, as preocupações voltavam-se sobretudo para o Oriente e, a partir de 1640 para o Brasil). Todavia, o interesse europeu por África não deixa de condicionar a acção portuguesa, imprimindo-lhe um novo ritmo.
Moçambique, após a abertura do Canal do Suez, em 1869, e da descoberta dos campos de diamantes e de ouro (1867 e 1869) na África do Sul, é visto com outros olhos e não já como fonte de encargos.
A relação de maior proximidade com a costa oriental encontra eco na passagem por Lisboa (1875) do sultão de Zanzibar, do presidente do Transval ou então, noutra condição, do xeque de Quitangonha (Moçambique), preso várias semanas num navio ancorado no Tejo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVIII

Reacções da imprensa portuguesa a abolição da escravatura

Em termos gerais, a imprensa da Metrópole, no início da década de 1870, era favorável a abolição da escravatura e do trabalho servil. Contrariamente ao que acontecera em anos anteriores, aceitava facilmente a argumentação daqueles que propugnavam por regulamentos coercivos e por leis de repressão da «vadiagem».
Em tal contexto, coube ainda a Sá da Bandeira o principal papel de ataque às teses escravistas (v.g. O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial -1873). Este velho liberal (nome verdadeiro Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, natural de Santarém, nascido a 26 de Setembro de 1795 e falecido em Lisboa, a 6 de Janeiro de 1876), anunciava ainda a sua intenção de apresentar na sessão legislativa uma proposta de lei para que fossem «declarados completamente emancipados todos os libertos». Dessa iniciativa, nasceu o projecto aprovado na Câmara dos Pares a 30 de Março de 1874, com texto da responsabilidade das Comissões de Marinha e do Ultramar, embora se afastando de vários pontos dos propósitos iniciais de Sá da Bandeira.
Nos termos do projecto, a lei só teria efeito um ano após a sua publicação nas colónias, sendo os ex-libertos depois obrigados a contratarem os seus serviços por dois biénios sucessivos. A falta de contrato tornava-os passível de prisão por «vadiagem». Ainda assim, baixado o projecto à Câmara dos deputados (1874), não chegou o mesmo a ser votado na especialidade. Recuperado no ano seguinte, deu origem à lei de 29 de Abril de 1875, que reproduz o texto primitivo mas com as alterações de Sá da Bandeira: os ex-libertos ficavam agora obrigados a um único contrato bienal; a «vadiagem» passava a ser punida pelas leis penais, nos termos do respectivo Código, que transferiu a questão do âmbito administrativo para o judicial, em princípio com maiores garantias. As Cortes, quase sem resistência, aprovaram. As elites políticas nacionais manifestavam agora uma certa preocupação em fazer alinhar o país na vanguarda das nações europeias e da sua missão «civilizadora». Mas legislar, não resolvia só por si o problema. Tudo dependia das relações de forças no terreno. Consciente desse problema, Sá da Bandeira bater-se-ia pela responsabilidade dos governadores coloniais pelo cumprimento da lei. Também os objectivos de Andrade Corvo não se cumpriam face as resistências das forças em que o próprio projecto imperial se apoiava.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVII

Inquietações dos escravistas acerca da caducidade do direito aos serviços dos ex-escravos

Naquela perspectiva, havia um ponto perturbador no decreto (de 25-02-1869) que era o de fazer caducar o direito aos serviços dos ex-escravos a 29 de Abril de 1878. Mas Sá da Bandeira (em 29 de Agosto de 1870, na efémera chefia do governo) veio de novo a chamar a atenção – com a inquietação dos escravistas ao esclarecer que em 1878 cessariam, não apenas a obrigação de servir dos escravos emancipados em 1869, mas os serviços de todos os «libertos», pondo-se termo ao trabalho forçado no ultramar português (Portaria Circular de 25 de Outubro de 1870). Em resposta, o sector escravista passaram à ofensiva, iniciando uma campanha que visava garantir a permanência para além do ano de 1878 das coerções sobre a mão-de-obra negra. A Associação Comercial de Lisboa, principal ponto institucional de apoio, constituiu uma comissão encarregada de estudar a questão do trabalho em África, fazendo parte dela, entre outros, António José de Seixas, Francisco Chamiço (fundador e administrador do Banco Nacional Ultramarino) e J. da Costa Pedreira (proprietário em São Tomé). O projecto de «representação» aos poderes públicos por aquela Associação (aprovado em assembleia geral a 27 de Maio de 1872), será a principal arma de guerra ideológica contra os propósitos abolicionistas.
Na comissão da Associação Comercial de Lisboa havia duas correntes. Uma que aceitava o estatuto do «liberto» em 1878, indo ao ponto de aceitar a antecipação da data, desde que previamente se promulgasse o regulamentos que garantissem a obrigação de trabalho do negro e leis penais de repressão da «vadiagem», atalhando, desta foram, a natural tendência da raça preta para a indolência e o vício. Esta era a opinião de Chamiço que acabou por prevalecer na representação final apresentada. Os pareceres assinados por Pedreira, Albino Morais e sobretudo o da autoria de Seixas foram bem mais longe. Defendiam a manutenção em vigor do decreto de 14-12-1854, dando cobertura a condição de «liberto» para além de 1878 e ao «resgate» de africanos nos sertões leste de Angola.
A esmagadora maioria dos artigos e «correspondências» provenientes de África defendiam tais posições. Por exemplo, no projecto de regulamento oferecido pelo grande proprietário angolano Alberto da Fonseca e Costa a Associação Comercial de Luanda, como contributo, e que decidira apresentar ao governo sobre a questão do trabalho, se toma como base a obrigação do «preto importado» servir por dez anos a quem o «resgatasse», a título de «aprendizagem», sendo no entanto lícito a venda dos seus serviços.
O recurso à via da repressão da «vadiagem» transformava a questão do trabalho forçado numa campanha conducente a discriminação da população negra no seu conjunto, a pretexto da «indolência» e da consequente necessidade de a obrigar a «civilizar-se» e a contribuir para o progresso geral.
Contra o fogo dos escravistas reagiam algumas vozes minoritárias. Era o caso do jornalista angolano João de Fontes Pereira. De Moçambique, vinham as opiniões de Diocleciano das Neves (célebre caçador de elefantes) que, dado a sua experiência sertaneja, desmentia a ideia de que o negro se recusava ao trabalho, fazendo ver que a maior parte das exportações dos territórios angolano e moçambicano era constituída por produtos cultivados ou apanhados pelos «pretos livres» do interior, que os vendiam ao branco. Admitia porém que esses «pretos livres» se negassem frequentemente a servir mas apenas aos portugueses, que os obrigavam a trabalhar gratuitamente para além de os submeterem a outras prepotências (Jornal do Comércio de 06-11-1871).

quarta-feira, 8 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XVI

Queda do governo

Em Junho de 1879, o governo de que Corvo fazia parte cai e todo o impulso se esgota, embora, no ano seguinte se tenha levantado mais 400 contos por empréstimo para concluir as obras iniciadas.
No campo das relações externas, há uma tentativa de alterar a situação existente com a Inglaterra pela negociação de uma série de acordos, precedidos (até certo ponto preparados) pelas pautas promulgadas em 1877 para Moçambique e Guiné, mais liberais do que as então em vigor. O primeiro desses acordos dizia respeito ao território de Goa, no qual se previa a construção de um caminho-de-ferro que ligaria o porto de Mormugão à rede da Índia britânica. O segundo tratado visava a construção de uma via férrea entre Lourenço Marques e o Transval, em troca de facilidades de comércio e trânsito concedidas em Moçambique às mercadorias britânicas, e de uma maior liberdade de acção conferida à marinha inglesa para a repressão do tráfico de escravos nas águas territoriais da colónia. Por último, num terceiro acordo, se definiria a fronteira norte de Angola, garantindo a Portugal a margem esquerda do Zaire. Mas o projecto acabou por abortar tal como o próprio tratado de Lourenço Marques, concluído a 30 de Março de 1878, que não chegou a obter a ratificação das Cortes portuguesas.
A Política externa de Andrade Corvo, estribada na cooperação e na solidariedade das nações europeias na tarefa de «civilizar» o continente negro viria agora a opor-se as rivalidades nascidas da partilha de África, entretanto iniciadas e ainda as formas mais radicais de nacionalismo imperialista que emergira em Portugal.
Quanto a questão da mão-de-obra negra, os objectivos de Andrade Corvo terão sido atingidos, embora por iniciativa de Sá da Bandeira, apoiada pelo governo, as Cortes aprovaram (29 de Abril de 1875) uma lei que extinguia o trabalho servil doze meses após a data da sua publicação no ultramar. Também aqui, as resistências foram fortes e lograram as expectativas do ministro. Como Já se referiu, o decreto de 29 de Abril de 1858, sobre o «estado de escravidão», que deveria findar vinte anos mais tarde em todo o ultramar português (mediante indemnização aos donos dos escravos…), teve depois o seu prazo encurtado por Sá da Bandeira que, aproveitando a sua breve passagem pelo poder fez decretar (25 de Fevereiro de 1869) a abolição imediata da escravatura, passando os escravos a condição de «libertos», com obrigação de servirem os seus antigos proprietários até 29 de Abril de 1878. Mas nas colónias, o decreto poucas repercussões teve. Dois meses depois, o jornalista angolano João de Fontes Pereira referia que a abolição da escravatura «nenhum efeito moral» produziria entre os negros, já que a sua condição, «quer como escravos, quer como libertos», em nada diferia «para os resultados desejados pelos escravistas. Na mesma data (1869), uma carta vinda de Luanda corroborava a opinião do jornalista, assinalando que a abolição não provocara «abalo algum» em Angola, ninguém se queixava de quaisquer prejuízos que dela houvessem resultado (carta do secretário-geral do governo de Angola a Sá da Bandeira).
Mais tarde, um dos grandes proprietários de São Tomé, Jacinto Carneiro de Sousa e Almeida, dirá que «todos quantos se encontravam naquelas paragens» quando o decreto de 25 de Fevereiro de 1869 fora promulgado o receberam «com indiferença a que tinha direito» dada a «inocência das suas disposições», uma vez que as condições de escravo e de liberto se equivaliam, estando ambos obrigados a serviços que podiam ser vendidos como mercadoria. Desta forma, ao «crismar» de libertos os escravos, o governo de Sá da Bandeira não fizera mais do que «riscar dos nossos dicionários uma palavra» (Jornal do Comércio de 16-01-1876).

terça-feira, 7 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XV

Fomento e desenvolvimento económico


O desenvolvimento das vias de comunicação, a liberalização do comércio externo das colónias, a cooperação internacional, em particular com a Grã-Bretanha, a extinção de todas as formas de trabalho forçado e integração pacífica das populações africanas foram algumas das medidas de fomento económico - como objectivos centrais do modelo modernizador – que Andrade Corvo tentou aplicar. Todas encontraram obstáculos que as inviabilizaram.
As chamadas «expedição de obras públicas», destinadas a «organizar em largas bases»
o respectivo serviço e a «dispor os meios de abrir pontualmente vias de comunicação, para facilitar o comércio interior das províncias ultramarinas» inseria-se na preocupação do desenvolvimento da economia colonial. O seu financiamento foi assegurado por lei de 12 de Abril de 1876, autorizando o governo a contrair para esse fim o empréstimo de 1 000 contos, devendo propor «sucessivamente às Cortes os meios necessários para a continuação e conservação das obras». Assim, houve o levantamento de mais 800 contos em 1878 e de 300 em 1879. Tais «expedições», instaladas em Angola e Moçambique desde meados de 1877 e seguidamente também em Cabo Verde e São Tomé, constituíam um facto novo na vida do império quer pela mobilização do pessoal da Metrópole – engenheiros, condutores de obras públicas e artífices – quer pelo investimento significativamente importantes que lhe estava associado em comparação com os tradicionais e magros «subsídios».

domingo, 5 de julho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

XIV

Política de abertura
A política de abertura do império ao exterior tinha um destinatário privilegiado que era a Grã-Bretanha. Ultrapassado o conflito acerca do tráfico de escravos e a promulgação de pautas menos proteccionistas, estaria reunidas as condições para funcionar a velha aliança também em África, como a cooperação em projectos comuns, caminhos-de-ferro, e sobretudo na fixação das fronteiras coloniais. Neste aspecto, Andrade Corvo via harmonia e não contradição de interesses entre os dois países, desde que Portugal, como recomendava a prudência, não fosse além da margem esquerda do Zaire, a norte de Angola (contrariando a corrente dominante, que reclamava o Baixo Congo), desistindo de unir Angola e Moçambique. Além disso e no que toca as reivindicações territoriais deveriam ainda ter em conta outro factor: as relações com os próprios povos africanos. Diferentemente de Sá da Bandeira, Andrade Corvo recusava a expansão por via militar; aceitava o aumento da influência portuguesa em África «por meios pacíficos, pela acção natural e própria da civilização», ganhando «as vontades das populações indígenas», sem provocar conflitos nem provocar ódios». Em qualquer caso seria sempre indispensável «caminhar com a máxima prudência, e saber parar a tempo», não excedendo nunca «os limites do trabalho e do capital» que estivessem disponíveis e tendo em conta as «faculdades produtivas das populações e dos territórios» que se ocupassem, sem o que, caminharia para a ruína. Esta forma de integração – e não de conquista - far-se-ia preferencialmente por aliança com os «chefes indígenas», que deveriam manter o poder tradicional em tudo que não fosse «de encontro aos princípios essenciais da civilização», concedendo-lhes o governo uma investidura e um «pensão módica». Preservar-se-ia, assim, as instituições africanas numa base de vida democrática em que o soba (ou régulo), com os seus macotas, formaria o corpo municipal no sertão; por sua vez, o «exército das liberdades municipais» ensinaria os povos a «exercer os seus direitos políticos, a governar-se, a compreender a sua responsabilidade, a contribuir para o governo e o progresso da província, e a buscar no parlamento da nação uma representação que satisfaça as suas aspirações e cuide dos seus interesses». Deste modo, o «ensino da civilização» caminharia a par dos «hábitos de liberdade», tendo como ponto de partida «o espírito e hábitos essencialmente democráticos» dos negros: educando-os e não «cerceando direitos há largos anos concedidos (Corvo, 1885:III, 387-399).
Andrade Corvo e concepções dominantes
As ideias de Andrade Corvo contrastavam com as concepções dominantes em Portugal. Ligada a perspectiva defendida por Corvo estava uma teoria racial que fazia já apelo ao darwinismo mas de um modo que acentuava os efeitos da solidariedade social impostos pela própria marcha da «civilização» - contra a «luta pela vida» pura e simples – e que recusava a hierarquização das raças com base em critérios de ordem biológica. Ao evolucionismo, Andrade Corvo ia sobretudo buscar argumentos contra a existência de uma «pluralidade de espécies no homem»: na verdade, não existiria senão um único «tipo humano», não sendo as suas diversas formas mais do que o resultado da sua «adaptação lenta (…) às circunstâncias do clima e dos meios em toda a sua extensão consideradas» - pelo que nada autorizava a estabelecer «divisões» em que se quisesse «achar a superioridade absoluta de uns, à custa da inferioridade absoluta e irremissível de outros». Todavia, certas raças africanas pareciam condenadas a extinguir-se, como inferiores, em resultado da lei da selecção natural; mas esse seria o resultado de uma «degenerescência» provocada pelo clima e pelo meio, que afectaria sobretudo «o negro da costa e das terras pantanosas», não tocando «as raças mais robustas e mais perfeitas, de formas e faculdades, que povoam o largo continente». Deste modo, a grande maioria da população negra eram sem dúvida «susceptíveis de progresso», encontrando-se nelas «disposições para ter os mais elevados sentimentos e modificar os seus usos». Só que essa evolução teria de ser lenta, tendo em conta o «estado rudimentar» das «funções» e «vida intelectual do negro ainda atrofiadas na fase em que se encontrava» (…). Tudo dependia do caminho que doravante seguisse a «propaganda civilizadora», até então prejudicada pelo «orgulho» com que o branco procurava fazer sentir a sua «superioridade de raça», pela «cobiça dos traficantes de escravos» e pela «ambição da conquista».

quinta-feira, 2 de julho de 2009

XIII
As alianças
No que respeita às alianças, caberia a Grã-Bretanha um papel particular, pelo «exercício da sua influência moral e política» no continente, onde não poderia deixar instalar-se o «domínio da força e o princípio brutal da conquista» sem prejudicar os seus próprios interesses marítimos e coloniais. Estas seriam, resumidamente, as condições para preservar as «pequenas nacionalidades», sem as quais «o espírito da Europa sofreria uma grande depressão moral, porque lhe faltaria a maior das suas maravilhosas qualidades: a unidade da civilização na variedade das compleições, das formas, dos caracteres políticos».
Para Portugal, um dos pequenos Estados Europeus, a ameaça
externa assumia porém uma forma específica que, na opinião de Andrade Corvo, o expansionismo espanhol era compartilhado por «todos os homens políticos, todos os partidos no reino vizinho». Para responder a esse perigo, defendia um nacionalismo bem temperado, de cariz liberal e progressista, que devia afirmar-se «pela respeitabilidade e sensatez da sua administração e pelo exacto cumprimento de todos os seus deveres para com as outras nações. Como fundamento último para a existência da nacionalidade, «o amor à pátria e às suas gloriosas tradições» por parte do povo português, tendo Andrade Corvo o cuidado de distinguir do «fanatismo», desse «ódio irreflectido, sanguinário e selvagem, que tornam inimigos os homens, quando uma fronteira, mais ou menos importante (…) os separa em nacionalidades distintas».
Portugal e aliados
Para além do que já foi referido, Portugal precisaria de «boas alianças». Em primeiro lugar com a Inglaterra, dadas as «tradições da nossa política» e aos «importantes e valiosos interesses» que uniam os dois países; mas também com os Estados Unidos, ao qual, dada a sua posição geográfica, com os Açores a meio caminho poderia servir de porta de acesso à Europa.
Sobre as colónias e «para tirar uma tal política todas as fecundas consequências» que dela se esperavam, tornava-se necessário «introduzir profundas mudanças no nosso sistema comercial e colonial», encetando e seguindo «ousadamente um novo sistema de política internacional, comercial e económica» que permitiria transformar Portugal no «primeiro e principal empório do comércio da América com a Europa».
Assim, Andrade Corvo pauta a sua acção política enquanto ministro (teorizando os seus Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, publicados na década de oitenta). No campo colonial, toma como princípio central a abertura do império ao exterior. O Estado Português deveria associar-se às demais nações da Europa na «grande obra» de «abrir» a África à «civilização»; se se opusesse a essa «fecunda solidariedade», ou por «inércia», ou por falsas ideias de sôfrego, cioso e estéril domínio», veria os seus direitos contestados pelas «nações civilizadas», podendo vir a pôr em risco «a sua própria existência». Tornava-se por isso urgente afastar a «velha ideia», tradicional no colonialismo português, que identificava a «posse e domínio dos territórios» a «monopólio e exclusivo de comércio», fazendo «a guerra aos produtos, aos capitais, à actividade estrangeira, como se tudo isto fossem males perniciosíssimos». Tal política, era insustentável no mundo moderno quando o direito de «aproveitar, em benefício dos povos, as vantagens resultantes do livre comércio», de «fazer chegar a todos, as riquezas que a natureza pôs a disposição de todos» fazia parte dos próprios «direitos da humanidade», não sendo lícito opor-lhe a barreira da soberania nacional. Aliás, no caso particular de Portugal, país de escassos recursos e sem indústria relevante, só haveria a ganhar com a abertura de mercados, que fomentaria a produção das colónias, com o correlativo aumento das suas exportações e com o recurso aos capitais estrangeiros, que tornariam possíveis realizar um conjunto de obras inadiáveis: caminhos e estradas, navegação dos rios e as «vias-férreas económicas» que, de acordo com Andrade Corvo, levariam aos sertões a «educação, o trabalho, a liberdade na sua acepção racional», numa palavra, a «civilização».