sexta-feira, 13 de março de 2009

Disciplinar militar. Excessos

Como tiraram o 3 à minha caderneta militar
Dinis Carrelo.


Estava um dia a jogar ténis de mesa com o Ramos, no quartel em St. António do Zaire, quando se abeiraram de nós o Toscano Rico e o Oficial da contabilidade da Capitania, conhecido pelo 25. Diz o 25: ouvi dizer que nos íeis deixar jogar. Respondi-lhe: quem lhe disse isso enganou-o. Ele respondeu: os oficiais têm a prioridade. E eu disse-lhe: tem toda a razão. Mas esta mesa é das praças, e, além disso, os senhores jogam quando querem e nós só podemos jogar depois de dar volta aos serviços. Quando acabarmos a partida jogarão. Ele respondeu-me: nós temos a faca e o queijo nas mãos. Ao outro dia fui buscar a correspondência à capitania. Perto estava um edifício em obras. Eu ia a olhar para as obras e não o vi. Ele chamou-me a atenção e tirou-me o número. Passado uns dias sou chamado à capitania mas disseram-me que primeiro fosse falar com o comandante Barata, comandante do 6º. Lá fui. O comandante Barata, já devia de saber o que se passava porque me disse: quero saber tudo o que te disserem. Fui ao gabinete do 1º ten. Almeida de Carvalho, oficial de cominações. Depois de ouvir os factos diz-me: tens muita razão mas vais ser castigado com 3 dias de detenção disciplinar agravada. Saí e fui ter com o comandante Barata., que ao ouvir o que se tinha passado, disse-me: vais recorrer do castigo. Eu respondi-lhe: desculpe mas não vou. Isso não me aquece nem me arrefece. E, assim, por não bater a pala a um oficial, em zona de guerra, lá estão, a vermelho os 3 dias de detenção disciplinar agravada na minha caderneta militar.

Comentário
Não conheço o RDM (Regulamento de Disciplina Militar). Apenas poderei comentar os factos aqui relatados pelo Dinis à luz da minha experiência profissional, como jurista e instrutor em processo disciplinar, na óptica das leis civis de Direito Público e Privado.
Em processo civil, o arguido é ouvido pelo instrutor do processo sobre os factos que lhe são imputados e posteriormente (se se concluir pelo prosseguimento do processo), é formulada a acusação através de uma nota de culpa. Na notificação da “nota” o arguido é informado sobre todos os factos de que é acusado, das disposições legais que o punem e dos meios de defesa que a lei lhe oferece (apresentação de testemunha e demais provas permitidas por lei), inclusive a constituição de advogado. Depois, se for aplicada a pena pelo órgão decisor, da sua decisão é novamente notificado o arguido – em despacho fundamentado, de facto e de direito – e informado dos prazos estabelecidos na lei (e referidos na notificação) para recorrer. Finalmente, terminado o processo administrativo, cabe ainda recurso para os tribunais. Ou seja, a lei e a Constituição visam garantir a justiça e o Direito.
O castigo aplicado ao Dinis (a ter lugar, parece-me inadequado, desproporcionado…) é no mínimo desprestigiante para os seus autores e hierarquias envolvidas no processo. O argumento kafkiano de “ tens razão, mas vais ser castigado… diz tudo!


Álvaro

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