VII
O império e a imprensa portuguesa
O tratamento do tema imperial na imprensa portuguesa, durante o período da Regeneração, era assegurado, em primeiro lugar pelas chamadas «correspondências», provenientes das colónias, geralmente da autoria de altos funcionários ou de oficiais da marinha e do exército, em comissão, que escreviam também artigos relacionados com o Ultramar. Frequentemente, o debate generalizava-se, envolvendo nomes sonantes do jornalismo e da política nacionais, sempre que se debatia pontos de vista ideológicos ou interesses de ordem económica. Aconteceu, por exemplo, em 1854-1855, aquando da discussão da proposta para a entrega de Moçambique a uma companhia, já referido; depois o grave conflito diplomático que surgiu com a França em 1857. Este conflito foi originado pelo apresamento em águas territoriais moçambicanas da barca Charles et George, a 29 de Novembro de 1857, sob a acusação de fazer tráfico de escravos para a ilha de Reunião. Houve a condenação pelo tribunal local e o navio mandado para Lisboa com o seu comandante sob prisão; mas o governo francês exigiu a sua libertação imediata bem como o pagamento de uma indemnização e a devolução embarcação, argumentado que: no momento da sua captura ela transportava não escravos mas “trabalhadores contratados” com autorização das autoridades portuguesas. Era uma defesa ou contestação disfarçada do comércio negreiro, a condução de «contratados» para a citada Ilha da Reunião, que contara com a anuência do governador Carvalho e Meneses, contrariando as ordens da metrópole, tendo sido substituído em Setembro de 1857 por J. Tavares de Almeida que deu início a execução, apanhando a barca de surpresa.
Passividade da Grã-Bretanha e humilhação
Perante a passividade da Grã-Bretanha, o governo de Lisboa, que inicialmente resistira às exigências francesas, acabou por ceder a todas elas, provocando o seu desfecho um sentimento de pesada humilhação nacional.
Do ponto de vista colonial, a crise da barca Charles et George contribuiu para o enfraquecimento das posições de Sá da Bandeira com o fundamento na ausência da estrita observância do tratado britânico de 1842 e na cooperação com a Grã-Bretanha. Face a sucedido, não faltaram vozes a exigir abertamente o seu abandono de forma a permitir a livre exportação de mão-de-obra da Angola para São Tomé, até aquele momento bastante condicionada. Também já nesta altura a política de Sá da Bandeira era atacada noutros planos: era-lhe, particularmente assacado a desorganização do comércio interno de Angola, na linha de Luanda a Cassanje, em consequência da abolição do serviço forçado de «carregadores». As acusações sobem de grau em 1860 com as notícias que foram chegadas a Lisboa sobre a dificuldade das tropas portuguesas instaladas em Ambriz e no Congo; do incidente militar que resultara a morte do capitão Militão de Gusmão, perto de São Salvador; a derrota do próprio governador no Quicembo (perto de Ambriz); do desastre de uma coluna ao passar o rio Loje e também a Sul, a «guerra do Nano» na vertente do planalto oeste da serra da Chela.
Os rumores e boatos vários, trazidos de Angola pelas «correspondências», por vezes conscientes, criam um alarme geral. Dá-se Luanda como cercada por um «gentio imenso» (Jornal do Comércio de 02-05-1860) e mesmo dividida pelos «pretos insurgentes» (Jornal do Porto de 04-06-1860) e os portugueses que restavam disputando «palmo a palmo», o terreno português às imensas coortes de pretos selvagens sequiosos do roubo e do sangue português. Seguem-se os apelos patrióticos à desforra e à salvaguarda do domínio imperial. Era assim o tom da imprensa do momento: «o governo não deve cruzar os braços em presença dos desaires, que ali se acha sofrendo o bom nome português; medidas o mais que prontas e enérgicas devem ser adoptadas para conservar o que ali nos pertence, para salvaguardar os nossos irmãos que ali se vêm constantemente ameaçados, e impor aos negros o devido respeito para com as nossas autoridades (O Português de 03-05-1860).
À pressa, foi organizada uma expedição militar, sob o comando simbólico do infante D. Luís, cujos contingentes partiram para Angola em Junho de 1860.
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