terça-feira, 23 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

IX

Integração política
A par da integração política, condicionada a prazo, Sá da Bandeira dava ainda grande importância à inserção da população «indígena» na economia de mercado, a obter por meios «suaves e indirectos», designadamente através do imposto, que, obrigando a procurar moeda, faria crescer tanto a oferta voluntária de trabalho como a produção de géneros agrícolas com destino ao mercado. Enquanto os meios coercivos, além de inconstitucionais, seriam também antieconómicos, dando origem a um trabalho de menor rentabilidade e provocando a fuga em massa da população.
Em meados de oitocentos, Sá da Bandeira não estava inteiramente só na perspectiva atrás referida, de cariz marcadamente etnocêntrica mas não racista. Os apoios eram no entanto minoritários. No Parlamento, as propostas antiesclavagistas encontravam sempre fortes resistências e os apoios eram por isso minoritários. O tom dominante era contrário à linha integracionista do ministro. As «correspondências» provenientes das colónias, particularmente de Angola, pintavam um quadro negro a respeito da situação criada pelas reformas impostas do governo de Lisboa, sobretudo do decreto que determinava a abolição do serviço forçado de «carregadores» - acusado de paralisar o transporte de produtos do sertão para Luanda e, o que era pior, de ter fomentado na população negra o espírito de desobediência e de insubordinação. Como se escrevia no Jornal do Comércio de 31 de Março de 1858 «Os pretos carregadores, libertos pelo decreto de 3 de Novembro de 1856, além de se prestarem às cargas com grande dificuldade, e por grande pagamento, têm dado em ladrões das mercadorias que lhes são entregues pelos feirantes do sertão!». E acrescentava-se: «mas o que espanta e desespera aos homens de bom senso, é ver como o Sr. Sá da Bandeira trabalha incessantemente a favor dos pretos desta colónia, deixando os brancos seus habitantes e o comércio, abandonados (…). Em Portugal, e nesta colónia, os súbditos do rei de Portugal, estão sujeitos a serem soldados, marinheiros, jurados, cabos de polícia, etc; porém o «cidadão preto», nascido vassalo de Portugal, e criado nas florestas que conquistaram os nossos avós, é declarado livre para continuar na sua barbaria e para roubar os brancos impunemente, que lhe entregam os seus haveres».
Com raras excepções, os textos das «correspondências», em finais da década de 1850, vindos de regiões tão longínquas de África eram tidos como verídicos. Estes atacavam Sá da Bandeira, acusando-o de utópico e de sentimentalista o que o teria levado a legislar sem ter em conta o estado selvagem dos povos africanos. De um modo geral havia fortes sectores ligados ao mercantilismo ultramarino. António José Seixas, antigo negreiro confesso, estabelece-se com grande fortuna em Lisboa, por volta de 1850, e é tido nas décadas seguintes como o maior perito português em questões coloniais. É ele que toca a rebate contra os que tomavam um «interesse burlesco pela liberdade do preto selvagem»; a «escola» devia ser combatida com todas as forças» exigindo-se leis tendentes a «punirem os vícios (…) característicos nos pretos nossos súbditos de Angola.
Acerca dos «vícios» e dos «pretos», havia também uma corrente de autores que, recorrentemente, se referia a perversidade inata, provavelmente irremediável, da raça negra e naturalmente propensa a selvajaria e à barbárie. No jornal do Comércio de 17 de Abril de 1858, escrevia-se sobre o «povo» negro: «que se pode esperar dum povo ignorante, vicioso, vadio, e dividido? Para verdadeiramente o caracterizar é necessário colocá-lo no último degrau da escala social (…). Preguiçoso por índole e por influência climatérica, dado a embriaguez e à sensualidade, supersticioso, estúpido, vagabundo, sem crenças nem religião é um povo desgraçado.
O tema trabalho como meio de formação do «homem civilizado» tinha já uma longa tradição no século XIX. No entanto, tal teoria ou argumentação manipuladora - em defesa da escravatura e do trabalho forçado - em meados de oitocentos era largamente aceite. Aqui a ideologia liga-se de tal forma aos interesses materiais que se torna transparente. A sua manipulação pretendia ir ainda mais longe a pretexto do decreto de 1856 que abolia o serviço de carregadores. Tinha em vista impor um regime que consagrasse a inferioridade legal da população negra, separando-a em definitivo do corpo da nação, contra as «utopias» integracionistas de Sá da Bandeira.
Tal ideologia teve larga difusão na imprensa portuguesa e nas elites da época bem dos políticos, independetemente da matiz partidária. Por exemplo, Rodrigues Sampaio, na «Revolução de Setembro», tomava como «verdadeiro axioma» que a raça negra deixada à sua liberdade não trabalha; fazia crítica acerba dos «estadistas filantropos», pedindo para África «leis apropriadas às suas circunstâncias»

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