segunda-feira, 22 de junho de 2009

NAÇÃO E IMPÉRIO

VIII
Crise Angola e debate sobre o império
A crise de Angola provoca um debate generalizado sobre a situação do império em que se colocam duas concepções de fundo sobre o lugar das colónias portuguesas: A concepção de Sá da Bandeira, implícita em toda a sua actividade e explicitada no fundamental em vários documentos oficiais e depois no livro O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial (1873), que tinha os territórios ultramarinos como parte integrante do todo nacional e os seus habitantes como cidadãos portugueses, gozando por isso de todos os direitos e garantias estatuídas na Carta Constitucional de 1826. Com base nos seus artigos 7º e 145º (respectivamente Cidadãos Portugueses e a Inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos), repetidamente invocados se justificava tanto a abolição do tráfico de escravos e a própria escravatura como a extinção do serviço de «carregadores». Em presença de tais disposições constitucionais, concluía Sá da Bandeira ser positivo que os habitantes portugueses das províncias da África, da Ásia e da Oceânia, sem diferença de raça, de cor ou de religião, tivessem direitos iguais àqueles de que gozam os portugueses da Europa (1873). Os fundamentos desta concepção e o seu apoio constitucional conduziriam, no limite, a aplicação no ultramar das instituições políticas europeias, ou seja: a representação em Cortes por deputados eleitos, o regime municipal, tribunais com júris populares, imprensa livre. Esta forma de assimilação pura, aparentemente defendida por Sá da Bandeira era recusada sobretudo por não se ter em conta as diferenças culturais entre povos e raças, nivelando-se tudo em nome de uma teoria abstracta e uniformizadora. Só que, tais diferenças não eram apagadas por Sá da Bandeira, antes, pelo contrário, pressupunha-as, dando como adquirido a superioridade da civilização europeia, tomada como única e ideia vulgarizada no século XIX. Porém, esse atraso africano era atribuído, não a qualquer qualidade intrínseca da raça negra, a uma inferioridade inata e irremediável, mas a condições históricas acidentais, sendo por isso superável. A prova de que as «raças africanas» seriam «susceptíveis de receberem a civilização europeia» estaria precisamente nas colónias portuguesas, onde tinham existido e existiam ainda «pessoas de cores, tão civilizadas como os brancos que nelas habita. Por outro lado, Portugal, possuidor de «vastos territórios» em África, durante séculos, explorados da maneira mais infausta e opressiva (…), teria o dever moral de procurar difundir os benefícios da civilização europeia entre os povos que os habitam. Benefícios chamados pelos direitos inscritos na Carta. Mas, dela não decorriam a imediata extensão ao ultramar das instituições políticas. Na perspectiva de Sá da Bandeira, a tutela a exercer só seria possível pela aplicação de legislação especial que restringisse os direitos políticos dos «indígenas», de modo a evitar «as paixões e o antagonismo de raças» e a preservar o domínio português. O regime não se compatibilizava com o sistema da Carta Constitucional que distinguia entre cidadãos activos e passivos – a esmagadora maioria da população «indígena», que gozaria de direitos civis mas não de direitos políticos. A talhe de foice, se dirá também dos portugueses europeus que fossem “criados de servir” ou “cidadãos que não tivessem um renda líquida anual de cem mil réis, por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”, estavam excluídos de votar nos termos do artigo 65º da Carta.

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