sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Capítulo VI

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa



Formação do DFE4 e nomeação compulsiva.

Em Janeiro de 1963, foi formado o DFE4 para Angola e designado o Tenente Pascoal Rodrigues para o comandar. Ficámos muito orgulhosos com a sua nomeação muito embora nos causasse algum espanto! Estava a ser mobilizado o único oficial com preparação neste ramo de Infantaria da Marinha. Quem, daqui em diante, ministraria os futuros cursos, senão das praças e sargentos pelo menos dos oficiais? Por que razão havia de ser ele o mobilizado e não outros oficiais formados por si? – Essa dúvida e simultaneamente suspeita persistiram sempre. Só agora, ao fim de décadas, se veio a confirmar.
Como já se aludiu, o Comandante Melo Cristino era o Director de Instrução da Escola de Fuzileiros, mas não era fuzileiro e o 1º tenente Maxfredo, Comandante de Batalhão de Instrução, também não: este fez o acompanhamento dos fuzileiros mas não chegou a frequentar curso completo de Instrução de Fuzileiros.

De facto, o único homem com aptidões, formação e experiência comprovada para o exercício das funções de Director de Instrução, na Escola, era mesmo Pascoal Rodrigues. Não só pela formação adquirida em Inglaterra, mas também pela realização de todos os trabalhos preparatórios respeitante a força de fuzileiros - da logística à estratégia - que se seguiram após a conclusão do curso nos «Royal Marines». Trabalhos esses que antecederam em seis meses a instrução e formação do 1º Curso de Fuzileiros.

Como oportunamente o próprio comentou, antes do primeiro curso já tinham sido lançadas as bases de tudo o que foi feito posteriormente pela Escola: a encomenda dos fatos camuflados, a ideia da compra de macacões verdes para uso durante os treinos, a definição das armas que viriam a ser necessárias, as boinas – razão porque passou a ser azuis -, a necessidade de botes de borrachas, o manejo da arma na ordem unida e ainda a razão do nome «Destacamento» e do seu número de efectivos. A própria Instrução do Enfermeiro Peralta Soares no curso de fuzileiros foi uma inovação e um contributo. Enfim, a definição dos objectivos já havia sido discutida e tratado antes do começo da primeira instrução. Para além de tudo isso, e passo a citar, conforme uma carta[1] sua:

A existência de um “espírito de corpo” peculiar aos fuzileiros e a noção de que faziam parte de uma força de elite, com homens de capacidades e habilidades acima do normal, e a necessidade de fomentar a amizade entre camaradas sabendo que a vida de um depende do outro, foram de imediato implantados e essa mentalização muito ajudou a fazer dos Fuzileiros aquilo que demonstraram vir a ser em 14 anos de guerra.

Não parece suscitar dúvidas que a presença do tenente Pascoal Rodrigues na Escola de Fuzileiros era incómoda e a melhor forma de resolver o assunto era nomeá-lo Comandante de uma força de fuzileiros que partisse para África. Essa força, instruída e preparada por ele, viria a ser o DFE4 que seguiu para Angola. O primeiro voo partiu de Lisboa a 9 de Fevereiro de 1963 e nele ia o Comandante do Destacamento e mais nove camaradas. Esta nomeação, dir-se-ia compulsiva de afastamento, terá sido a primeira parte de um sonho seu interrompido.
O oficial Pascoal Rodrigues é um militar de acção. Era importante para ele e os fuzileiros o espírito ofensivo e o envolvimento em acções operacionais de grande intensidade e de curta duração. Isto não veio a acontecer e como o próprio diz, afinal seguiram uma lógica contrária:
Acabei por ser enviado para uma posição defensiva e estática. O nosso Destacamento seguiu para o Zaire (...) foi então desmembrado em grupos colocados em situações que deveriam ter sido guarnecidas por Companhias de Fuzileiros, não por Destacamentos.

Neste cenário de guerrilha, diz o Comandante, são chamados outros oficiais de Marinha para desempenharem funções nessas unidades de fuzileiros sem preparação e até vocação para o efeito. Também eles prefeririam cumprir as suas missões nos navios. Ao constatar este facto, o Comandante do DFE4, reclamou várias vezes e colocou mesmo a questão por escrito mas ela não se alterou. Também, e por convicção sua, insistiu na criação de um Corpo de Fuzileiros para onde as pessoas fossem por vocação e não por obrigação. Igualmente e dentro do espírito época não teve incremento o projecto. Este realiza-se tempos mais tarde. Reconhece hoje Pascoal Rodrigues que apenas estava à frente do seu tempo e que tudo o que havia sonhado desde do tempo de Inglaterra acabou por acontecer. Só não andou tão depressa quanto eu queria. Apenas isso.

O Comandante do DFE4 regressou a Lisboa antes de ter terminado a Comissão, tendo sido substituído pelo seu Imediato, o 2.º tenente Paiva Boléo.[2]

Já em Lisboa, foi nomeado para Instrutor de Infantaria da Escola Naval. Inicialmente, esta nomeação pareceu-lhe natural e interessante pois tratava-se de uma actividade ligada a sua especialidade. Iria transmitir aos cadetes toda a sua experiência e ensinar aquilo que gostava: táctica de infantaria, operações anfíbias, tiro, luta de defesa pessoal, etc.
Esteve cerca de quatro anos na Escola Naval como instrutor. Depois foi nomeado para comandar um navio patrulha «estacionado» na Base Naval que nunca de lá chegou a sair enquanto Pascoal Rodrigues lá esteve. E comenta: Tive a sensação de ter sido jogado numa prateleira. Foi a partir desta altura que começou a pensar em passar a Reserva, conforme o próprio diz:
Não estava saindo dos fuzileiros mas sim da Marinha. Esta vontade resultava de estar vendo um sonho desmoronar. Eu era apenas um oficial de Marinha com especialização em Fuzileiro Especial e a ideia de ser criado um Corpo de Fuzileiros onde eu pudesse ser integrado sempre esteve comigo desde a primeira hora. No entanto uma sucessão de factos me foi levando a frustração.

Numa das passagens da carta, o Comandante Pascoal, ao referir-se ao início da sua carreira na Marinha - Escola Naval - e passagem pelos navios até aos Fuzileiros, diz: Dos fuzileiros, na verdade eu não sei quando saí. Talvez nunca, pois continuo me sentindo um Fuzileiro até hoje, acrescido de um orgulho imenso de ter contribuído para a existência do actual Corpo de Fuzileiros.

O Comandante Pascoal Rodrigues passou a reserva da Marinha em 1969. Não tenho dúvidas de que terá sido para si uma decisão bastante difícil de tomar. Tratava-se de um militar íntegro, experiente e portador de um currículo invejável. Era não só um grande fuzileiro mas também um líder carismático incontestável. Aqueles que o conheceram sabiam-no bem! Ainda me lembro de o ver na instrução com o cronómetro na mão esquerda e o apito de árbitro a controlar os tempos dos exercícios... A sua postura de militar chamava a atenção do pessoal que comentava ser difícil imaginar Pascoal Rodrigues à civil. A farda fazia parte da sua estrutura! Aos seus instruendos e aos fuzileiros era exigido um comportamento militar correcto. Por exemplo, a parada tinha que ser atravessada em marcha ou em passo de corrida. Isto era mesmo assim. Portanto, fortes terão sido as razões que o levaram a passar à reserva da Marinha. Apesar do seu rigor militar, era um gentleman no relacionamento social. Toda o pessoal era tratado com respeito: meus senhores... ou o senhor... isto ou aquilo. São qualidades inatas e educacionais que estão muito acima das vulgaridades e mesquinhezes da má consciência humana.
[1] Cartas do Cmdte Pascoal Rodrigues enviadas ao Carlos Ferreira, datada de 16 Janeiro e de Março de 2007 a propósito da leitura do livro de Luís Sanches de Baêna sobre os Fuzileiros e na sequência da demonstração de estranheza de Carlos Ferreira pelo facto de naquela Obra importante sobre os Fuzileiros não terem sido ouvidos, consultados ou validados, quaisquer depoimentos de Pascoal Rodrigues e, ou dos seus companheiros de Inglaterra.
[2] O DFE4 regressou a Lisboa no S. Gabriel. Partiu a 18 de Março e chegou a Lisboa em 30 de Março de 1965. O Comandante Pascoal Rodrigues lamenta não lhe terem dado notícia desse facto! Não passaria na cabeça de ninguém que não estivesse interessado em ver os camaradas do seu Destacamento e conversar com eles.
Imagens:
1 - 1º desfile do 1º Curso de Fuzileiros que terá dado origem ao DFE1 - Angola (1961-63)
2 - DFE2 - Guiné
3- DFE4, comandado pelo 1º Tenente Pascoal Rodrigues

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