domingo, 22 de fevereiro de 2009

Notas à margem do Memorando (17)

Pascoal Rodrigues e os Fuzileiros e vice-versa

Comandante e líder

As regras militares cumprem-se e não se discutem! A autoridade é legitimada pelo Comando através da lei e regulamentos, cobrindo toda a cadeia hierárquica com as devidas proporções e competências, mais os despachos e ordens de serviço. Nunca vi ou ouvi alguém discuti-las entre nós, muito menos junto das hierarquias… Agora o que havia era forma de interpretar e aplicar esses regulamentos, sobretudo num contexto de guerra. Tão importante ou mais do que a autoridade de um líder, legitimada pelo Comando, é a sua aceitação pelo Grupo com respeito e não com temor reverencial. Como diz um provérbio popular: Os pais ardentes fazem os filhos desobedientes.
Bem, indo ao assunto. Uma das regras na Marinha e nos Fuzileiros eram as praças não poder entrar ou sair à civil dos quartéis. Regra que já conhecíamos desde os tempos da recruta. Contornávamos a regra saindo fardado e levando connosco um saco de roupa à civil para trocar no caminho, às vezes nas matas em Vale de Zebro. Em Luanda, havia um Café na marginal, creio que se chamava Baleisão, onde mudávamos de equipamento. O Comandante Pascoal Rodrigues era respeitador da disciplina mas não perdia tempo com isso… Ponto de honra para ele, sim, era quem estivesse fardado lá fora teria de andar impecavelmente vestido. O resto, éramos fuzileiros especiais devíamo-nos desenrascar…
Ora, este é um caso passado com o Dinis Carrelo, no cinema de Santo António do Zaire a civil, visto pelo Comandante Negrão e que levou à intervenção do Comandante Pascoal Rodrigues. Aqui fica:
Um belo dia, em que estávamos em SAZAIRE, como muitos outros camaradas, eu e o Arlindo Ramos, fomos ao cinema, só que eu ia à civil. Quando estava na bilheteira abeirou-se de nós o comandante Pascoal e disse-me: tira dois bilhetes, para mim e para minha esposa, porque eu não trouxe dinheiro. Tive tanto azar que me tocou um lugar numa fila cheia de oficiais, entre os quais estava o comandante Negrão. Passou por mim e foi-se sentar. Nessa altura eu usava pêra. Quando cheguei ao quartel cortei-a. No outro dia de manhã, como era habitual lá fui eu para a secretaria onde já se encontrava o comandante Pascoal. Depois dos cumprimentos da praxe diz-me: vai falar com o comandante Negrão. Quando entra no gabinete diz-me: ontem estavas no cinema á civil. Eu respondi-lhe: que eu saiba ninguém me mandou identificar, pelo que podia dizer que não. Mas de facto estava. Responde-me ele: por isso vais levar 8 dias de detenção agravada.
Voltei novamente para secretaria e o comandante Pascoal perguntou-me como tinham corrido as coisas, e eu relatei-lhe os factos. Ele levantou-se, foi ter com o comandante Negrão e perguntou-lhe: com que ao autoridade é que ele me castigava ao que o comandante lhe disse: com a autoridade de CADFE (Comandante do Agrupamento de Fuzileiros Especiais). Disse-lhe o comandante Pascoal: isso não te dá autoridade para o castigar. Tu fazes participação da ocorrência e eu como comandante dele é que lhe dou o castigo. Depois veio ter comigo e disse-me: vais ficar detido 8 dias mas isso não vai para a caderneta nem tão pouco te faz qualquer diferença, uma vez que tens sempre que sair todos os dias para ires buscar o correio ou tratar de assuntos referentes ao destacamento. Mas quem não gostou nada da ideia foi o Comandante Negrão que a partir daí nunca mais me viu com bons olhos.

Dinis Carrelo R/T (Faísca)

Fotos:
1 e 2. Dinis Carrelo;
3. Póvoa, Dinis e Arlindo Ramos

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