O espírito de aventura, os sonhos, as viagens imaginadas, os portos e outras paragens; as cidades, o mar, os rios, as pessoas e as amizades; a segurança, e uma nova forma de vida, fascinavam qualquer jovem. Não obstante a descrição feita por um dos camaradas quando chegámos à Escola, relativamente aos exercícios físicos...isto aqui não se passa um dia em que não vá um (....) parar as enfermarias. Partem-se pernas e braços. Foi o que aconteceu ontem, com o fulano tal... ao saltar da camioneta à 50 a hora!....
- Bem, a aventura tinha começado aqui! Estávamos em Março de 1962 e corria o primeiro curso com fuzileiros de raiz, como costuma dizer, orgulhosamente, o nosso camarada Almada.
O local onde eu e todos os filhos da minha escola nos instalamos parecia distante, isolado e austero. O regime de horários estabelecidos era rigoroso. Do levantar ao deitar, com formaturas a toda a hora, «não mexe pá, não mexe...», passava por vários exercícios físicos. A ginástica, as marchas, a natação, os saltos (em altura, trampolins e mesa alemã) ou os circuitos ou crossies obrigatórios e diários, antes do pequeno-almoço (calção branco, sapatilhas e em tronco nu, mesmo de Inverno, lá íamos nós…), o boxe e judo também integravam a actividade. Como complemento, tínhamos as tarefas de limpeza ou a elas associadas, como varrer a parada, a caserna, transportar o lixo, lavar a roupa e passá-la a ferro ou coser algum botão, fazer serviço de faxina à cozinha, pôr a mesa à hora das refeições e buscar a comida para todos os sentados a mesma mesa. Estes trabalhos eram exigidos e cumpridos como nos mandavam. Por último, mas não menos importante, tínhamos de cumprir as escalas de serviço: Fazer guarda e rondas, actividades inerentes à qualidade de militares. Diria hoje que superaríamos o próprio regime espartano dos gregos.
Os primeiros dias e semanas passadas na Escola de Fuzileiros – Grupo n.º 2 da Escola de Fuzileiros – foram de adaptação e conhecimento pessoal e recíproco uns com os outros, para além da aprendizagem táctica e militar. O conhecimento humano era vivido: partilhávamos as mesmas instalações, dormíamos debaixo dum mesmo tecto ou caserna com várias dezenas de indivíduos, comíamos num Refeitório comum com mesas e bancos corridos; tínhamos um Bar amplo, com mesas de jogos e bebidas onde cabíamos todos. Aí também conversávamos e até sabíamos a história uns dos outros: de que terra eram, o que faziam na vida civil, como viviam os pais, os irmãos, se tinham namoradas, etc., em suma, sentíamos as mesmas dificuldades. Naturalmente, havia camaradas, a maioria, que tinham as suas famílias longe, e não podiam visitá-las com a mesma frequência daqueles que as tinham próxima: Lisboa ou arredores. À época não existia as vias rápidas e os meios de transporte de hoje, nem sequer recursos financeiros. A saudade, naquelas idades e sobretudo para quem estava habituado a viver com a família e amigos, apertava muito.
Após o período de mais de um mês de recolhimento e adaptação, tivemos autorização de sair do quartel, não sem antes sabermos na ponta da língua os postos e patentes militares bem como a sua equiparação entre os ramos das forças armadas.
A Escola de Fuzileiros integrava o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada e era dirigida pelo Comandante Capitão-Tenente José Joaquim de Sá e Melo Cristino. Não sendo fuzileiro, contribuiu para que a Escola se instalasse em Vale de Zebro, local privilegiado para a actividade militar. Em traços gerais, poder-se-ia descrever fisionomicamente o Comandante Melo Cristino como uma pessoa um tanto forte, não muito alta, cabelo a escovinha, de cachimbo, com um cão sempre atrás, distante e que residia numa Casa, bem arranjada, dentro da mata da Escola. Aliás, o Comandante Melo Cristino não tinha só um cão, tinha mais... Um deles, de cor encarniçado, comprido, esguio e de orelhas grandes e caídas, era seguramente um pedigree que delirava quando aviões sobrevoavam a Escola. Começava a ladrar e a correr desaustinadamente pela parada fora atrás das aeronaves... Claro que todos nós achávamos que o cão era meio ou completamente maluco. Demorei muito tempo a perceber a razão do comportamento desse canino. Depois de muito reflectir cheguei a conclusão que se tratando de um cão de guarda nada mais fazia que cumprir a sua função: Guardar a Escola. Não permitir a entrada a estranhos, pessoas ou objectos, na Escola de Fuzileiros bem como a invasão do seu espaço aéreo. Ladrando e correndo atrás dos aviões, ou da sua sombra, seria uma forma de dissuadir, por via pacífica, o afastamento do invasor. Resultava sempre. Os aviões afastavam-se mesmo...
À par da actividade administrativa de funcionamento dos serviços, secretarias, abastecimento, enfermagem, armamento e da logística, a actividade principal, era assegurada activamente por oficiais, sargentos e praças. Havia outras personagens marcantes e inesquecíveis como era o caso dos tenentes Patrício e Maxfredo. O primeiro pelo seu dinamismo, boa disposição e carecadas dadas ao pessoal, como castigo, e o segundo pelas famosas “audiências de julgamentos” às quintas-feiras. Embora as sanções não fossem lá muito pesadas, as detenções eram raras, também quase ninguém era absolvido! – Não valia a pena recorrer das sentenças porque estas transitavam de imediato em julgado». Cumpria-se o castigo e ponto final!
A instrução e preparação militar tinha também como pilares os monitores e, ou, instrutores, como sargentos Jaime, Pastor, Gameiro, Virgílio, Caldeira, Ribeiro, Venâncio, Amândio, Lagarto, Bicho, Martins e alguns cabos... Os recrutas, alunos, praças e instruendos, completavam o quadro, com alguns episódios de permeio, garantindo assim a vida e dinâmica da Unidade. Muita preparação e exercício físicos, marchas, formaturas, ginástica, aulas e horários, etc.
No entanto, e com tudo isso, estes foram dos melhores anos da minha vida: nunca me arrependi, por uma única vez, de ter sido fuzileiro e de ter convivido com os meus camaradas e amigos.
- Bem, a aventura tinha começado aqui! Estávamos em Março de 1962 e corria o primeiro curso com fuzileiros de raiz, como costuma dizer, orgulhosamente, o nosso camarada Almada.
O local onde eu e todos os filhos da minha escola nos instalamos parecia distante, isolado e austero. O regime de horários estabelecidos era rigoroso. Do levantar ao deitar, com formaturas a toda a hora, «não mexe pá, não mexe...», passava por vários exercícios físicos. A ginástica, as marchas, a natação, os saltos (em altura, trampolins e mesa alemã) ou os circuitos ou crossies obrigatórios e diários, antes do pequeno-almoço (calção branco, sapatilhas e em tronco nu, mesmo de Inverno, lá íamos nós…), o boxe e judo também integravam a actividade. Como complemento, tínhamos as tarefas de limpeza ou a elas associadas, como varrer a parada, a caserna, transportar o lixo, lavar a roupa e passá-la a ferro ou coser algum botão, fazer serviço de faxina à cozinha, pôr a mesa à hora das refeições e buscar a comida para todos os sentados a mesma mesa. Estes trabalhos eram exigidos e cumpridos como nos mandavam. Por último, mas não menos importante, tínhamos de cumprir as escalas de serviço: Fazer guarda e rondas, actividades inerentes à qualidade de militares. Diria hoje que superaríamos o próprio regime espartano dos gregos.
Os primeiros dias e semanas passadas na Escola de Fuzileiros – Grupo n.º 2 da Escola de Fuzileiros – foram de adaptação e conhecimento pessoal e recíproco uns com os outros, para além da aprendizagem táctica e militar. O conhecimento humano era vivido: partilhávamos as mesmas instalações, dormíamos debaixo dum mesmo tecto ou caserna com várias dezenas de indivíduos, comíamos num Refeitório comum com mesas e bancos corridos; tínhamos um Bar amplo, com mesas de jogos e bebidas onde cabíamos todos. Aí também conversávamos e até sabíamos a história uns dos outros: de que terra eram, o que faziam na vida civil, como viviam os pais, os irmãos, se tinham namoradas, etc., em suma, sentíamos as mesmas dificuldades. Naturalmente, havia camaradas, a maioria, que tinham as suas famílias longe, e não podiam visitá-las com a mesma frequência daqueles que as tinham próxima: Lisboa ou arredores. À época não existia as vias rápidas e os meios de transporte de hoje, nem sequer recursos financeiros. A saudade, naquelas idades e sobretudo para quem estava habituado a viver com a família e amigos, apertava muito.
Após o período de mais de um mês de recolhimento e adaptação, tivemos autorização de sair do quartel, não sem antes sabermos na ponta da língua os postos e patentes militares bem como a sua equiparação entre os ramos das forças armadas.
A Escola de Fuzileiros integrava o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada e era dirigida pelo Comandante Capitão-Tenente José Joaquim de Sá e Melo Cristino. Não sendo fuzileiro, contribuiu para que a Escola se instalasse em Vale de Zebro, local privilegiado para a actividade militar. Em traços gerais, poder-se-ia descrever fisionomicamente o Comandante Melo Cristino como uma pessoa um tanto forte, não muito alta, cabelo a escovinha, de cachimbo, com um cão sempre atrás, distante e que residia numa Casa, bem arranjada, dentro da mata da Escola. Aliás, o Comandante Melo Cristino não tinha só um cão, tinha mais... Um deles, de cor encarniçado, comprido, esguio e de orelhas grandes e caídas, era seguramente um pedigree que delirava quando aviões sobrevoavam a Escola. Começava a ladrar e a correr desaustinadamente pela parada fora atrás das aeronaves... Claro que todos nós achávamos que o cão era meio ou completamente maluco. Demorei muito tempo a perceber a razão do comportamento desse canino. Depois de muito reflectir cheguei a conclusão que se tratando de um cão de guarda nada mais fazia que cumprir a sua função: Guardar a Escola. Não permitir a entrada a estranhos, pessoas ou objectos, na Escola de Fuzileiros bem como a invasão do seu espaço aéreo. Ladrando e correndo atrás dos aviões, ou da sua sombra, seria uma forma de dissuadir, por via pacífica, o afastamento do invasor. Resultava sempre. Os aviões afastavam-se mesmo...
À par da actividade administrativa de funcionamento dos serviços, secretarias, abastecimento, enfermagem, armamento e da logística, a actividade principal, era assegurada activamente por oficiais, sargentos e praças. Havia outras personagens marcantes e inesquecíveis como era o caso dos tenentes Patrício e Maxfredo. O primeiro pelo seu dinamismo, boa disposição e carecadas dadas ao pessoal, como castigo, e o segundo pelas famosas “audiências de julgamentos” às quintas-feiras. Embora as sanções não fossem lá muito pesadas, as detenções eram raras, também quase ninguém era absolvido! – Não valia a pena recorrer das sentenças porque estas transitavam de imediato em julgado». Cumpria-se o castigo e ponto final!
A instrução e preparação militar tinha também como pilares os monitores e, ou, instrutores, como sargentos Jaime, Pastor, Gameiro, Virgílio, Caldeira, Ribeiro, Venâncio, Amândio, Lagarto, Bicho, Martins e alguns cabos... Os recrutas, alunos, praças e instruendos, completavam o quadro, com alguns episódios de permeio, garantindo assim a vida e dinâmica da Unidade. Muita preparação e exercício físicos, marchas, formaturas, ginástica, aulas e horários, etc.
No entanto, e com tudo isso, estes foram dos melhores anos da minha vida: nunca me arrependi, por uma única vez, de ter sido fuzileiro e de ter convivido com os meus camaradas e amigos.
A aventura e o sonho continuavam, em cada dia que passava, com o dia que vinha a seguir… Em Vale de Zebro ou Angola: Luanda, Santo António do Zaire, Postos da Quissanga, Pedra do Feitiço, Macala, Puelo, Tridente, Cabinda, Massabi ou Sanza Pombo...
Escola de Fuzileiros, 1961
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