sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Notas à margem do Livro (9)


Operações a leste de Luanda. O assassinato de um pescador


Esta é uma história triste que não foi pormenorizada no livro mas que é importante fazê-lo agora, por consideração ao nosso camarada Zé Alves que - não tendo sido o seu autor - a viveu e foi afectado por ela. Aqui fica o seu relato:

Alvarinho, já contei isto muitas vezes porque consta do meu auto de averiguações, que é uma das façanhas em teatro de guerra que me deixaram grandes marcas e que sonho com elas. Que foi o seguinte: quando saímos integrados num pelotão do Exército, em botes nossos, andavam pescadores à pesca em pirogas, e ao se tentar apanhá-los eles fugiram para a água e andamos ali uns tempos até que se apanhou um. Depois desembarcamos: eu, com uma secção, e um alferes com um pelotão; e os botes regressaram ao acampamento. Assim que começamos a desembarcar, um magala subiu a rampa com um pescador (que apenas tinha uma tanga) e com a faca de mato, ia empurrando-o e golpeando-o… perguntou então ao Alferes se podia ir para trás de uns arbustos conversar com o preto… e o alferes apenas encolheu os ombros! Passado alguns segundos, apareceu por detrás dos arbustos com as tripas na mão, dizendo: Oh meu Alferes, olhe para isto? Este já está!... Prosseguimos a marcha por meio de arbustos e armadilhas, e passado poucos minutos começaram a gritar da outra margem, vamos fazer queixa na UPA. Mataram o N... pescador indefeso, e continuavam a berrar, até que um dos magalas, sem autorização, disparou uma rajada na direcção de onde vinham os lamentos, e imediatamente responderam com tiro certeiro junto de nós: foi então quando eu disse para o Alferes se não pusesse ordem na situação, eu e os meus homens tomaríamos outro rumo. Foi então quando deixamos a zona e caminhamos na direcção do acampamento. O dito magala assassino, ainda vangloriou-se quando fomos comer a ração de combate, e ousou comer com a faca de mato com que tinha matado o pescador. O dito magala parece que era da Alfama.
Isto nunca foi visto (o auto de averiguações) em consideração pelo Frei Picadas (Imediato Paiva Boléo)
O que eu sei é que vejo este filme bastantes vezes.

Um bem-haja amigo

abração do Zé

2 comentários:

  1. ÁLVARO, FILHO DA ESCOLA!
    Não posso deixar passar esta dura, discritiva passagem, sem comentar. Não compreendo o que leva um homem a fazer destas barbaridades nos dias de hoje! Tem que forçosamente ser o instinto animal que está certamente suprimido, dentro de nós (ir)racionais que se desprende e explode numa agressevidade monstroosa! Que nem os animais, onde o instinto de subsistência domina, fazem coisas tão bárbaras! Já o homem culto dissera: - “Quanto mais conheço o homem mais gosto dos animais”... Ainda se fosse em auto-defesa, haveria talvez um mínimo de aceitação. Mas matar um inocente e depois vangloriar-se com as tripas na mão?!... Isso nunca!
    Olha, fico-me por aqui por agora...
    Um abraço!

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  2. Amigo Leiria, acerte o seu calendario, o século passado nao se pronuncia os dias de hoje.

    E que ser morto por um magala é diferente do que se fosse por um FZE?

    " Pelo céu passa uma nuvem
    todos dizem bem a vi
    todos falam e murmuram
    mas niguém olha para si.

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