sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Memorando DFE4 - Angola 1963-65

Operações a Leste de Luanda -II

Permanecemos uma semana ou mais aquartelados junto das instalações militares. Dormíamos numa tenda de acampamento militar enorme, onde instalamos as macas (colchões de dormir), de um e de outro lado da entrada da porta, deixando livre um corredor ao meio para a nossa passagem. Aqui constatamos mais em pormenor as dificuldades e as diferenças entre nós fuzileiros e os camaradas do exército. No dia em que chegamos ao quartel não havia vinho para ser servido às refeições o que provocou um mal-estar da nossa parte... Suponho que compramos cerveja, que era na verdade a nossa bebida habitual e preferida. Segundo relato dos soldados, os barris de vinho que chegavam ao aquartelamento, quinzenalmente ou mensalmente, eram logo bebidos nos dois ou três dias imediatos. O resto do tempo ficavam a pão e água, como se costuma dizer, e não estava longe da verdade. Nesses dois ou três dias eram bebedeiras constantes; pelo menos divertiam-se um pouco naquele fim do mundo. A comida era intragável. Muitas vezes valia-nos o recurso às latas de conservas que lá conseguíamos comprar. O pão era cozido diariamente no quartel e sabia-nos bem comer pão fresco. De facto, a nossa postura era mesmo diferente da deles. A sua disciplina, ao mesmo tempo indisciplinada e sem sentido, hierarquicamente subserviente, confrangia-nos: o meu capitão, o nosso sargento ou cabo..., não combinava nada com a nossa forma militar de actuar e proceder. A esse propósito, num dia em que já estávamos todos deitados e a conversar uns com os outros, entrou um soldado pela nossa tenda dentro – assustado – para nos vir alertar que estávamos a fazer barulho, dizendo: se o nosso capitão sabe... O Lucas (Muxagata), não foi de modas. Interrompeu-o logo e disse-lhe: Oh pá; nosso? - Só se é vosso. Nós cá não temos capitães. Vai-te embora! – O soldado deu meia volta e lá se foi... Claro que também respeitávamos os graduados e as patentes, mas numa postura diferente, vertical. O tratamento era o de senhor: do Marinheiro ao Almirante. Outros factos sucederam-se e um deles até serviu para o nosso camarada Armindo Machado (16 528) ficar todo envaidecido com a proeza. Certa ocasião, um elemento do exército veio pedir ajuda para fechar o taipal da camioneta onde se guardava os botes pneumáticos. Tinha mandado lá três soldados mas estes não o conseguiram fechar. O sargento Chamusca (Ferreira) ouviu e respondeu logo: eu tenho um homem na minha secção que faz isso sozinho! Chamou o Armindo Machado (Lumumba ou vinte e oito) e este prontamente resolveu o assunto. Era um camarada corpulento, com muita força, que adorava conduzir os botes nas patrulhas – ir ao motor. Em troca, carregava sozinho com os depósitos de combustível. O Machado, assim que chegou ao local, deu um encosto ao taipal da camioneta e correu os fechos, na maior, para espanto dos soldados presentes! Só que daqui em diante, o nosso admirado companheiro achou-se muito importante e meteu-se em trabalhos... Teve uma participação e ameaça de prisão, com a vinda, inclusive, de uma avioneta de Luanda para o vir buscar. Provavelmente para lhe instaurarem um processo disciplinar. Acontece que o presumível instrutor, oficial, juntamente com os elementos da esquadra de que fazia parte o Machado, foram fazer um reconhecimento de bote pelo rio. Tal como já havia acontecido na operação do dia 22 de Setembro, o bote ficou imobilizado num banco de areia. Uma vez mais, o Machado demonstrou a sua capacidade física. Pegou no bote e transportou-o às costas. Os acompanhantes que não o conheciam ficaram espantados com tal façanha. À sua conta o Machado ficou com o problema disciplinar resolvido. Foi-lhe recomendado juízo para de futuro e assunto ficou arrumado. Para falar verdade, quem conhecia este camarada sabia bem que ele era um bonacheirão. A força hercúlea que possuía era proporcional à sua pacificidade..
Imagens:
1 e 2. As refeições e refeitórios em Massau;
3,4 e 5 .Camarada Armindo Machado/16528 (falecido)

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